sábado, 27 de dezembro de 2008

FELIZ 2009

27.12.08 - por Carol Medeiros

Não acredito que tudo mude só com a passagem de ano, então desejo a todos os meus leitores que 2009 seja a motivação para a mudança que cada um deseja!

Beijos!

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Numere se for capaz

02.12.08 - por Carol Medeiros

Do número viemos, e aos números retornaremos. Quantos anos você tem? Quanto você ganha? Quantas pessoas têm na sua família? RG, CPF, passaporte... no fim das contas, somos todos números?!

Lembro-me claramente de uma época no colégio em que cada aluno tinha seu número na chamada e a professora, para ganhar tempo, nos chamava por ele, em vez de pelo nome.

No banco, nos identificam pelo número da conta e senha. Em seguida, somos segmentados pelos números que aparecem no nosso extrato.

Quando viajamos, somos o número do passaporte. Em boates, somos a numeração da cartela de consumo.

No dia-a-dia, somos passageiros do ônibus número tal ou identificados através do telefone cadastrado na empresa de taxi. Também podemos ser o número da carteira de habilitação. E se algo acontece com o carro, basta ligar para o seguro e... tcha-ram! Pedem um número, do contrato ou da placa do veículo.

Quando vou ao teatro e ao cinema, me identificam pelo número da carteirinha de estudante. No meu prédio, sou a Carol do 10º. Na maternidade, devia ser a menina que nasceu no dia 17. Ok, uma delas.

Isso porque tudo começou com um espermatozóide, unzinho só, que foi vitorioso e somou-se a um óvulo na mais incrível soma já vista, em que 1+1 teve resultado diferente de 2, e deu origem a mim, que concentro várias Carois em uma só (um dia conto a história do meu nascimento, é um barato!).

A gente cresce. Nos estudos, somos avaliados por freqüência e notas. No trabalho, somos pagos com base em algum número, seja produtividade, sejam horas trabalhadas (se você for empreendedor, a conta é bem mais complexa e, penso eu, mais saborosa).

Em geral, alguém é considerado mais experiente de acordo com o tempo que desempenhou uma função; mais culto em função do número de livros que leu e lugares que conheceu; mais simpático de acordo com o número de sorrisos que distribui gratuitamente.

Aí veio o orkut, onde somos mais ou menos populares de acordo com o número de amigos, fãs e depoimentos que temos, o que provoca um fenômeno: pessoas desesperam-se e adicionam desconhecidos. Vítimas desses estranhos, uni-vos!

Nos relacionamentos, números fazem tanta diferença que algumas pessoas nem deviam perguntá-los: quantos ex-namorados teve, quantidade de parceiros... tudo isso para, no meio de uma briga, um dos dois (com sorte de não serem ambos) jogar números na cara do outro: há dois meses você não me leva para jantar (=60 dias), nunca me deu flores (=0), se esquece dos aniversários de namoro (também, precisa comemorar todo mês?).

Para muitos casais é crucial o “momento conta”, especialmente nos primeiros encontros. Ele paga? Vocês dividem? Creio que é uma questão mais de postura do que de valores, mas... tudo acaba em números. Quando se trata de separação, aí é literal! Bens pra lá, pensão pra cá, mensalidades dos filhos acolá.

E até o que a gente não quantifica, contabiliza de alguma forma: namoramos caras com quem temos mais momentos bons do que ruins, consideramos como amigos aqueles que mais nos apóiam, solidificamos amizades com o passar dos anos.

Existem bem poucos – porém, sensacionais - momentos na vida que não podem ser mensurados. São aqueles em que a gente não sabe explicar o porquê, mas em vez de o relógio contar os minutos, o tempo pára por alguns instantes, contrariando todas as regras antes observadas.

São momentos em que a gente resolve aprender a praticar um esporte que sempre adorou, parar pra olhar a lua, ligar para alguém querido e se sentir próximo mesmo estando do outro lado da linha, dar risada com as amigas, abraçar quem a gente ama.

Estes instantes costumam ter uma característica peculiar: são paradoxais. Podem observar. Duram pouco, mas são lembrados pelo resto da vida; em geral, são protagonizados por uma, duas ou, no máximo, três pessoas juntas, mas conseguem preencher muito mais do que o Maracanã lotado; e quando palavras não se encaixam, faz-se um silêncio que diz muito.

Existem momentos na vida que não podem ser contabilizados e, por isso mesmo, valeriam bilhões, se tivessem preço.

sábado, 29 de novembro de 2008

Mais uma dose

29.11.08

"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu, não: quero uma verdade inventada".

[Clarice Lispector]

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O surto

25.11.08 - por Carol Medeiros

Eu não tenho medo de morrer. Tenho muito, mas muito medo é de não viver. Sei que medo é ruim e paralisa a gente, daí o meu medo de ter medo e, consequentemente, de não viver como deveria, ou poderia.

A gente nunca está feliz, sempre já “foi” feliz. Assim, no passado. Olho situações que vivi, tempos que já foram e tenho convicção de que muitas coisas boas já passaram por essa minha vida! Ou eu que passei por montes delas, tanto faz. A sensação é de que daqui a um tempo vou olhar para o passado (que é o meu hoje) e pensar: “Bons tempos!”, embora hoje não tenha tanta certeza de que são tão bons assim!

Às vezes acho que estou ficando louca. Mas se só os loucos são felizes, então eu devia me sentir louca e feliz, em vez de me preocupar quando acho que estou tendo pequenos surtos! Ou não? Argh! Caso de internação, ou crise existencial à vista!

Não tenho medo da morte, mas da ausência da vida. Não gosto de pensar que um dia não vou mais acordar com a Belinha me lambendo. Que não vou mais abrir as cortinas e ver o mar sem nem ter que levantar da cama. Que não vou olhar o despertador e dar um pulo da cama por estar (mais uma vez) atrasada pra fazer um monte de coisas legais, outras nem tanto. Mas que um dia me farão falta, todas elas, algo me diz!

Não gosto de pensar que não vou mais abrir meu armário e ter certeza absoluta de que tenho 543 blusas inúteis, que as calças estão apertadas e que preciso urgentemente comprar sapatos novos, porque não tenho nenhum – NE-NHUM – que preste, incrível!

É chato a beça cogitar que um dia não vou mais comer o empadão da Adriana, nem vou mais ter vontade de comer chocolate de sobremesa. Algum dia não vou mais precisar ir à academia, o que às vezes é um alívio, mas com certeza não vou achar isso no dia em que em que eu quiser ir e simplesmente não puder.

Odeio pensar que todos os dias textos serão escritos por pessoas que escrevem bem melhor do que eu, e que eu não vou ler nenhum deles. Que gênios ganharão o prêmio Nobel e eu não estarei aqui para saber. Que ótimas peças de teatro serão encenadas e péssimos filmes entrarão em cartaz, e eu não poderei criticar nenhum deles, nem pro bem, nem pro mal. Ainda bem que no dia em que esse dia chegar, provavelmente Almodóvar e Woody Allen já não farão mais filmes imperdíveis. Egoísmo, eu sei.

Que chato vai ser no dia em que eu não puder ir pra noitada ou não tiver mais minhas amigas reclamando porque eu não quero ir pra noitada, mas mais estranho será quando eu não tiver mais pra onde ir, e daí não tiver mais dúvidas de que programação escolher.

Vai ser bem esquisito não precisar correr contra o tempo para dar conta de almoçar com uma amiga, trabalhar, checar emails, marcar dermatologista, fazer as unhas e pensar no futuro enquanto dou conta do presente.

Não consigo imaginar o dia em que não vou mais precisar incorporar a psicóloga para ouvir uma amiga. Quando isso acontecer, também não vou mais precisar pagar terapeuta para ouvir meus problemas, em compensação não terei onde gastar a grana que economizar, já que não tendo problemas também não haverá soluções, tampouco válvulas de escape.

Vai ser um bocado estranho não reclamar dos meus pais e não brigar com meus irmãos, nem ter vontade de morar sozinha. Aliás, vai chegar um dia que a última coisa que eu vou querer é ficar sozinha! A Belinha tem que viver para sempre!

Vai ter um dia, tenho certeza, em que não vou ficar angustiada por não saber o que fazer da vida, nem vou me preocupar em ser independente financeiramente. A vontade de ler todos os livros do mundo vai passar, e junto com ela passará a angústia por saber que nunca, de jeito algum, daria mesmo conta disso.

E então vai chegar o dia em que não vou ter mais sensações bizarras, medos nem vontades que eu quero que passem urgentemente. Quase chego a sentir alívio ao constatar que chegará um momento em que todos os problemas do mundo - pelo menos os do meu mundo - terão fim.

Ai, que tranqüilidade chata. Dá até sono. Quero meus problemas de volta.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Quase vintecinco

12.11.08 - por Carol Medeiros

Vou confessar publicamente um antigo vício: sou devoradora de palavras. Adoro ler! Livros, revistas, artigos, outdoors. Aquela história de ler rótulo de xampu e bulas de remédios não é lenda, pelo menos não comigo.

Mas este não é um texto sobre livros, e sim sobre hábitos. Almoçando com uma amiga num restaurante onde nós duas nunca tínhamos ido, ela me contou sua mais recente descoberta: a passagem do tempo estava relacionada a sair da rotina, mudar hábitos, ir a lugares até então desconhecidos.

Em função do meu hábito, o da leitura, fui em busca da informação que tinha ouvido e descobri que a teoria contada por minha amiga provinha de um texto do jornalista Aldo Novak. Atuando como coach, ele é conhecido na área de gestão pessoal, administração e equilíbrio de vida. Pois bem, Novak pesquisou sobre como o cérebro humano mensura a passagem de tempo, o que ele finalmente atribuiu à observação de movimentos, objetos, pessoas, natureza ou de repetição de eventos cíclicos. Novak diz que quando vivenciamos uma experiência pela primeira vez, o cérebro se “esforça” para compreendê-la, mas evita fazer duas vezes o mesmo esforço. O cérebro faz parecer que não vimos, não sentimos ou não vivenciamos pensamentos automáticos, repetidos, iguais.

Isso explica porque experimentamos sensações únicas nas “primeiras vezes” em que realizamos algo que nunca havíamos feito, conhecemos alguém ou algum lugar, enfim, descobrimos algo que é novo para nós. Do mesmo jeito, quando vamos a um lugar pela segunda vez ou passamos sensações repetidas com um namorado, por exemplo, nossa mente tende a automatizar tais experiências, sem processá-las, deixando de vivê-las em sua totalidade.

Acho que vem daí a comum dificuldade de lidar com a rotina: deixamos de vivenciar na plenitude situações que não são particularmente novas. Já pararam para pensar que nos mantemos apaixonados somente enquanto tudo é novo? Ainda estamos conhecendo a pessoa, logo, temos um zilhão de lugares para ir com ela, há muitas coisas que não sabemos ao seu respeito. Todo esse vasto acervo que desconhecemos deve ser maravilhoso, pressupomos ingenuamente. Durante a paixão, há sempre uma primeira vez para tudo.

Após algum tempo de relacionamento, nem a mais criativa das pessoas consegue manter-se como novidade, embora possa se reinventar (no bom sentido, sem máscaras). O problema é encarar o amor como uma sucessão de pensamentos e comportamentos automáticos.

Durante a paixão, a gente pode receber uma florzinha mixuruca, mas nos sentimos como tendo ganhado a flor mais especial do mundo, tipo aquela do planeta do Pequeno Príncipe (sim, eu adoro esse livro). Não tem problema nenhum se o cara não nos leva pra jantar em restaurantes bacanas. Dane-se se ele não tem nosso estilo – ou, ao menos, o que costumava ser o nosso estilo. Quando a gente se apaixona, parece que nada é capaz de acabar com o encanto da situação.

Nada, exceto o próprio tempo. A paixão acaba, meus caros. Não estou aqui para dar conselhos, tampouco sei verdades absolutas, mas cheguei a essa conclusão por experiência própria, do alto dos meus quase 25 anos - ou ¼ de século (acho que dito assim impõe mais respeito). Eu costumava me desesperar com isso, a idéia de não sentir frio na barriga 24 horas por dia me amedrontava demais. Eu era jovem demais para amar.

Quando comecei a entender que relações devem nos somar, e que só devemos permitir que permaneçam em nossas vidas aqueles por quem nutrimos bons sentimentos – porque a paixão não é, necessariamente, um bom sentimento -, percebi o quão bom é não precisar ficar colada ao telefone; afinal, se ele disse que vai ligar, vai mesmo. Se tenho que viajar e ficar uns dias geograficamente longe, não morro por causa disso – diferente do que acontecia no auge da paixão.

Embora não dê nunca pra se sentir 100% segura em nenhuma relação, é ótima a sensação de não ter como primeiro pensamento medo de tomar um “balão” enquanto estiver longe. Sinto saudades, e muitas! Mas sei que posso seguir a minha vida, porque o amor estimula a andar lado a lado, enquanto há relações que consomem tanta energia e requerem tantas preocupações que mal sobra tempo para olharmos para nossa própria vida. E se isso for paixão, tô fora.

Viver a estabilidade que a rotina proporciona, sem ir do céu ao inferno o tempo todo, é gratificante. Mas se estabilidade é bom, o friozinho na barriga é fundamental. Sentir-se inseguro numa relação é péssimo, mas segurança all the time nos faz ver o outro (ou ser visto por ele) como alguém que não erra, não vacila, é incapaz de magoar. Ao tornar-se previsível, esse ser automaticamente não precisa mais ser reconquistado, deixa de exigir investimento. E se isso for amor, tô fora.

Não, isso não é amor. É rotina, acomodação. Enquanto a paixão não se sustenta por muito tempo, um relacionamento acomodado às vezes é pior do que o mais conturbado dos namoros. Será possível, então, encontrar o meio termo entre paixão enlouquecedora e amor morninho?

Sempre tive dúvidas. Hoje eu acredito que seja.
O nome dele? Maturidade.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Última parada: omissão

03.11.08 - por Carol Medeiros
Assisti ao "Última parada: 174", de Bruno Barreto. Saí sem palavras. Um pouco pelo filme, porque nada daquilo é ficção - e em filmes que retratam a violência, mesmo naqueles que não são baseados em histórias reais, nada é muito inventado. Mas fiquei sem palavras mesmo pelo que aconteceu depois do filme.

Sei que sou mais sensível do que a média das pessoas. Mas para mim nada justifica pessoas terem capacidade de sair do cinema sorrindo, brincando. O filme é um soco no estômago! Sei que o incômodo passa logo para a maioria, sei que grande parte se sensibiliza mas não faz nada mesmo. Mas, peraí! Perceber que há quem ache normal tudo aquilo que assistiu na tela, sabendo que há muito mais do lado de fora do cinema, me choca quase tanto quanto a tragédia do ônibus 174.
Não estou dizendo que bandidos são totalmente vítimas da sociedade. Isso é discussão para o restante da vida. Quando eu ou alguém próximo somos vítimas da violência, também me revolto. Me indigno quando vejo “o pessoal dos Diretos Humanos” lutar pela vida de quem comete barbáries. Ok, concordo que tem gente má mesmo, que não têm realmente jeito. Mais porque nosso sistema penitenciário não dá brecha pra alguém se recuperar, do que pela maldade na essência. Mas quando alguém consegue sorrir imediatamente ao fim de um filme como “174”, passo a acreditar que o que irrecuperável mesmo é a nossa sociedade.

Cheguei em casa com vontade, necessidade de desabafar. As palavras me faltavam, até me deparar com um escrito de Yvonne Bezerra de Mello. A artista plástica atuou em defesa das vítimas da chacina da Candelária e, vejam só, recebe ameaças por seu comportamento através de e-mails, cartas, telefonemas raivosos. Nas ruas, escuta desaforos.

Atualmente, Yvonne cuida de 420 crianças no Projeto Uerê (http://www.projetouere.org.br/), no Complexo da Maré. Para ela, “a burguesia não gosta de pobre. Ela é fascista. Acha que criança de favela é bandida. Eu já estou acostumada. Sempre que acontece alguma tragédia na cidade, eu viro alvo dessas pessoas". No relato a seguir, mais do que descrever as perseguições que sofre, a artista plástica evidencia, através do seu desabafo, a crise ética (permanente) em que vive nosso país.

"Em 1993, quando aconteceu a chacina da Candelária, fiquei muito chocada com a reação inesperada de uma parte da cidade do Rio de Janeiro. Só a imprensa e as organizações ligadas aos direitos humanos se indignaram. Houve uma aprovação pública daquele ato indigno, cometido por um dos muitos grupos de extermínio existentes dentro da instituição da Policia Militar do Estado.

Naquela época, tomei posições e me comprometi a trabalhar arduamente para colocar os carrascos na cadeia e defender um melhor atendimento para um grande contingente de crianças perambulando pelas ruas da cidade. A minha atitude de defesa e de acusação da negligência dos governos estadual e, principalmente, do municipal nessa área me trouxe vários problemas.

Fiquei estigmatizada como protetora dos bandidinhos crianças, dos adolescentes marginais, inimiga da sociedade. Cuspiam-me na rua, jogavam ovos no meu carro, me xingavam aonde fosse, projetando em mim todo o ódio que produz a ignorância e a falta de educação cívica de um povo. Dei-me conta de que a sociedade afaga as crianças brancas, finge que tolera as negras, abomina a pobreza, a favela e pouco faz para mudar o Brasil oriundo da “Casa Grande e Senzala” que ainda lhe serve.

O tempo foi passando e eu continuei comprometida com a minha luta e meu ideal de um Brasil mais justo e mais igualitário, não só no poder de compra da população, mas também na capacidade intelectual, que é uma das mais díspares do mundo entre classes sociais. Fundei o Projeto Uerê debaixo de um viaduto da cidade e desenvolvi uma metodologia especializada em crianças e jovens com traumas constantes devido à violência e com problemas de aprendizado. Quando a metodologia começou a ser conhecida e reconhecida com resultados positivos expressivos, outra vez as cartas, os emails, os xingamentos. Como eu podia ousar em insistir na educação igualitária para miseráveis? Eu queria que o Brasil fosse a Suécia? Como eu podia pretender que uma criança de favela pudesse ter a mesma performance escolar de uma dos colégios da elite?

Outra vez o estigma de louca, visionária, traidora da classe. Até aí eu agüentava as críticas e ia levando a minha vida. Com a violência aumentando nessa última década a níveis insuportáveis, eu até compreendo a revolta pelo cerceamento de liberdade no ir e vir das pessoas e das famílias no seu dia-a-dia. O que eu não entendo é que a culpa dos níveis de violência na cidade sempre recaia sobre os pobres e nunca sobre uma elite que compactua, sim, com a corrupção, com a tolerância ao ilegal, com a impunidade e com um grande desrespeito às leis. O dinheiro pode tudo!

E eu, para muitos, sou uma das causas dessa violência. Quando acontece um assassinato na cidade cometido por um menor de idade, imediatamente o associam a mim. Assim aconteceu na morte do João Hélio e de muitos outros. As ameaças me chegam por todas as vias de comunicação. Todas me culpando porque sou eu que educo os marginais, que os faço pensar, ter lógica para que matem mais.

É incrível. Mas a realidade é que me culpam por esses assassinatos. Quando acontecem, eu mudo minha vida. Não saio de casa, evito vida social e me fecho num casulo com medo da incompreensão e sem saber como lidar com isso. Em maio desse ano as ameaças foram tantas que tive que pedir proteção da polícia.

Recentemente, cerca de dois meses atrás, quando a violência nas favelas se
intensificou, eu fui levar minha mãe de 93 anos para jantar num restaurante do Leblon. Na mesa ao lado havia uma família com avós, filhos e netos. Quando chegamos, a avó disse aos netos pequenos, de uns 8 ou 9 anos: “essa aí é aquela louca que protege bandidos”. Eu fiquei com vergonha por ela, por ensinar aos seus netos a serem brasileiros alienados dos problemas sociais do país.

Quando o Bruno Barreto me procurou para dar uma consultoria sobre o roteiro do filme “Última parada: 174”, que conta a história de um menino que vivia na minha época na Candelária e no qual a Ana Cotrim faz o meu papel, eu disse a ele: “Bruno, tenho que me preparar porque a minha vida vai ficar difícil de novo depois desse filme”. E não deu outra.

Faz uma semana que a violência das ameaças começou pela primeira vez a me preocupar, pelo teor assassino das mesmas. As pessoas ficaram mais odientas contra as classes populares, mais conservadoras e fascistas perante a falta de operacionalidade dos governos na área da segurança pública. Quando leio que cerca de 500 cidades brasileiras vão necessitar das forças armadas para garantir as eleições, sinto que as instituições democráticas desse país estão abaladas. E a culpa recai de novo sobre o povão oprimido pelo tráfico de drogas que só existe porque existe corrupção, pelas milícias das policias, pelo consumismo de drogas das classes mais abastadas e pela péssima representatividade política. E uma parte recai sobre mim, que faço o meu papel de cidadã e de brasileira consciente.

Se algo acontecer comigo seria lastimável, porque eu sou uma de muitos que ainda acredita que esse país pode ser mudado pelas idéias, e não pela força bruta". (Yvonne Bezerra de Mello)

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

"Seja você a pessoa certa”

29.10.08 - por Carol Medeiros

Como blogueira que sou, estou sempre em busca de novos conteúdos interessantes na internet. Foi assim que me deparei com o “Não dois, não um”, blog de Gustavo Gitti (nao2nao1.com.br). Um texto em particular me chamou a atenção. Começando pelo título que adotei aqui, simplesmente porque não há outro que melhor se encaixe, Gitti discorre sobre buscar “a pessoa certa” nos relacionamentos.

Já escrevi aqui que nem sempre a “pessoa certa” é a certa para nós. Gostar de boa música, ser culto, inteligente, educado e bonito parece meio caminho andado para alguém conquistar espaço na nossa vida. Mas não é. Ter pré-requisitos não é garantia de ser amado.

O grande problema, na minha opinião (e como observadora que sou, tenho visto isso acontecer com freqüência), é colocar nas mãos do outro a responsabilidade por coisas que cabem a nós e a mais ninguém. Por exemplo: a capacidade de se fazer feliz. “Serei feliz quando conseguir mudar de emprego”, “vou me sentir completo quando encontrar alguém especial” são frases comuns na boca de quem não assume as rédeas da própria vida. Atribuindo ao outro nossos fracassos, também nos eximimos da capacidade de nos fazermos felizes.

Eu, que gosto de agir corretamente com as pessoas, canso de ouvir críticas como “o outro não agiria da mesma forma, se estivesse no seu lugar”. Já me questionei se valia a pena manter meu comportamento, a despeito de como os outros agem e reagem. Além de ter certeza de que vale, hoje penso que agir da maneira que consideramos ideal, sem esperar que o outro o faça, impede que a gente caia numa tremenda armadilha: espere que o outro seja a pessoa certa.

Não importa se é no trabalho, nas amizades ou no namoro. Dane-se se ele ou ela não são “merecedores” da nossa postura. O barato de agir com os outros da forma como acreditamos que vale a pena é não nos anularmos por ninguém. Sim, porque a anulação pode acontecer no dia-a-dia, em todas as situações em que a preocupação com a opinião alheia é maior do que com o que vamos sentir.

Quando me sinto desrespeitada e, mesmo assim, mantenho respeito pelo outro, essa postura passa a ser característica minha, independente de ser validada por alguém. Tá certo que me decepciono algumas (muitas) vezes por conta de quem não age como eu, mas ainda acho que eles desrespeitam mais a si do que a mim. E quando encontro quem pensa diferente, reconheço na hora! Porque não me permiti me afastar do que é importante para mim, mesmo (e principalmente) nas vezes em que isso não foi reconhecido ou adotado pelos outros.

No amor, acho que funciona do mesmo jeito. Dia desses fui a um casamento onde o padre dizia aos noivos: “em vez de cobrar o outro, seja você o que você gostaria que a outra pessoa fosse”. Disse ele para a noiva: “se seu marido chegar em casa aborrecido e não quiser lhe contar o que houve, não force a barra. Crie um clima aconchegante, dê-lhe carinho. Propicie um ambiente agradável e o ajudará a se abrir com você.”

Eu iria além: se, após tentativas, o cara continua emburrado, você acaba percebendo que quem não serve para alguém ali é ele para você. E se mesmo sem o reconhecimento do outro você manteve uma postura amável - porque é característica sua -, fica mais fácil ir embora sem se tornar amarga porque não te validaram como companheira. Quando as críticas do outro não mudam quem você é, você parte - mesmo com a frustração por não ter dado certo -, levando você mesma consigo.

No texto de Gitti, há um trecho que diz: “não escolha a pessoa que tem mais a lhe proporcionar, e sim aquela que mais pode se beneficiar com o que você tem a oferecer. Em vez de ficar esperando por alguém inteligente, apenas distribua sua inteligência para qualquer um. Seja a pessoa certa, sem esperar resultados ou retribuições de qualquer tipo”.

Contrariando a lógica do “é dando que se recebe”, devemos ofertar ao outro o que somos. Se, com o tempo, não ficarmos satisfeitos com o que nos é oferecido, temos a opção de ir embora, mas levamos conosco tudo aquilo de bom que proporcionamos desde o início. A maior frustração ao término de um vínculo é nos sentirmos vazios, porque depositamos no outro a responsabilidade por nossa felicidade. E disso nem o Super-homem é capaz de dar conta.

Atribuir a felicidade ao outro é comum, mas não é normal. “Fulano me faz feliz”?. Não, não faz. Você é quem se faz feliz quando não espera isso de alguém. Conseqüentemente, não cobra e permite que o outro seja ele mesmo, enquanto você é o que lhe basta. Ninguém se completa, mas ambos se somam e podem encontrar um resultado inacreditavelmente multiplicado. Não há relação mais preciosa do que a que você estabelece consigo mesmo. E o mais fabuloso é encontrar quem ame o alguém que você ama.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

"LÉRIGOU"

21.10.08 - por Carol Medeiros

Pra quem não sabe, trabalho como consultora em gestão e marketing. Basicamente, procuro soluções nessas áreas para problemas dos clientes, que são empresas. E não é raro, dentro das organizações, achar funcionários que não sabem, ao certo, quais são as atribuições do seu cargo.

Como acredito que não somos pessoas diferentes para cada “área” – a Carol “amiga”, a Carol “profissional”, “namorada” etc -, é inevitável traçar um comparativo entre “funções” na profissão e na vida. Sim, porque acho que todos que cruzam nossos caminhos têm um porquê, uma razão para estarem ali.

Já passei algum tempo tentando retomar antigas amizades, que ficaram perdidas no tempo porque as vidas foram para lados diferentes, sem brigas, sem motivos, apenas aconteceu. É assim com todo mundo, mas eu não conseguia aceitar bem o fato de não conviver com pessoas que tinham sido muito importantes para mim. Aí tentava uma reaproximação, e então percebia que as afinidades também haviam ficado no passado, o que não significava que a pessoa tivesse deixado de ser importante. Ela não tinha feito parte da minha vida apenas no passado; fazia ainda, mas como lembrança de uma época que dá pra recordar, mas não tele-transportar.

Dia desses, uma dessas antigas amizades, por quem tenho muito carinho, me agradeceu, relembrando que eu a apoiei quando seus pais se separaram. Embora nem me lembre com clareza desse episódio, fiquei feliz por também ter tido uma função positiva na vida de alguém. Então é isso? Todos que passam por nossas vidas contribuem com algo? Todos têm uma função?

Tem quem passe por nós quase despercebido. Há aqueles que parecem fundamentais enquanto convivem conosco, mas basta partirem para que a gente mal se lembre de seus nomes. Com alguns, convivemos por anos. Outros participam de uma fase curta da nossa vida, mas com tal intensidade que ficam guardados para sempre no lado do cérebro responsável pelas boas lembranças.

Acontece de alguém passar pela nossa vida tão rapidamente que só dá tempo de dizer uma frase que, mesmo breve, dá sentido a coisas sem sentido.
Tem quem seja boa companhia para noitadas, mas não saiba guardar segredos.

Tem quem dê colo quando a gente precisa, mas não é, nem de longe, a companhia mais animada para uma festa.

Amigos intelectualmente privilegiados não são, necessariamente, os primeiros a serem lembrados quando o sábado é de sol e a praia vai bombar.
E esse é um dos motivos que torna tão bom ter muitos amigos, embora isso acarrete numa função por vezes complicada: a de dar conta de todos eles, mostrando-se disponível e interessada no que todos têm a dizer, desempenhando, dessa vez, a sua função: a boa amiga.

Com amores é mais ou menos a mesma coisa. Alguns, ao fim da paixão, continuamos a amar. Esses, em geral, assumem a nova função de amigos. Outros, preferimos esquecer. De alguns guardamos boas recordações. De outros, embora não valha a pena, fica a mágoa. De alguns poucos, nada. De si e do que passou, fica aprendizado.

Antoine de Saint-Exupéry, aquele que de O Pequeno Príncipe, escreveu que "aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós". Concordo com ele. Não acredito nem desacredito no acaso. Tem coisas que acontecem e não sabemos explicar bem por quê.

Nas nossas vidas, pessoas vão e vêm. Cada um com sua “função”, mas todos com o objetivo comum de deixar um pouco de si e, ainda que inconscientemente, muito aprendizado. Quando a gente entende isso e let it go (daí a brincadeira no título), encontramos a nossa função: encerrar ciclos aprendendo com o que passou, e conhecendo um pouco mais a nós mesmos.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Na varanda

14.10.08 - por Carol Medeiros
Sentada na varanda de casa, vendo um pôr do sol bonito como há tempos não via, pensou na sua vida.

Era outubro e o ano estava perto de terminar, embora isso não lhe dissesse muita coisa. Não era adepta do que chamava de “prazo para ser feliz”. Quem quer emagrecer não espera até a segunda-feira seguinte pra começar uma dieta. Quem quer aprender uma nova língua, idem. O que muda de 31 de dezembro pra 1º de janeiro também pode mudar de 14 pra 15 de outubro, ora essa. Mas quando as coisas não funcionam como o planejado, a culpa é do tempo, sempre ele.

Para ela, o tempo era aliado, e não vilão. Vinha sendo extremamente generoso até ali. Além de ter se tornado ainda mais bonita depois de adulta, percebia nitidamente seu amadurecimento, pessoal e profissional. Ou a grana da terapia estava valendo a pena, pensou.

Olhando a rua, observava a movimentação dos carros na hora do rush. Via, mas não enxergava, porque nada lhe perturbava naquele momento além do desejo de impedir que o sol “mergulhasse” no mar. Comprovando estatísticas, ficava meio pra baixo quando dias chuvosos se seguiam, e queria se assegurar que, não se pondo, o sol estaria de volta no dia seguinte.

Mesmo com todo aquele movimento de carros, mesmo com a beleza angustiante do pôr do sol, sentia-se tranqüila de um jeito que há muito não acontecia. Seria hipocrisia consigo dizer que estava em paz novamente. Não era verdade, mas aquela sensação estava tão ausente de sua vida que quase podia ser chamada de novidade.

E diante da tranqüilidade que a revisitava, pensou que ninguém sabe definir felicidade. Momentos felizes? Realização profissional e pessoal? Utopia? Já não buscava respostas. Gostava quando seu pai dizia que “ser feliz é não ser infeliz”. Fazia total sentido para ela. Muitas vezes, não sabia ao certo o que queria, mas era capaz de dizer, sem hesitar, o que não lhe servia.

O sol, enfim, se pôs. Não pôde impedir, como também não podia controlar o tempo. Presumidamente, as pessoas voltavam para suas casas e o número de carros na rua já era menor. Não podia, de fato, definir felicidade. Mas podia reconhecer quando ela lhe acenava.

domingo, 5 de outubro de 2008

Com cérebro, por favor



05.10.08 - por Carol Medeiros

Não tenho mais saco.

Quando a noitada começa, até chego a acreditar que pode ser legal. Me empolgo, observo as pessoas, vou ao bar. Gosto da música. Acredito que será possível ter uma noite como há tempos não tenho, quase me convenço de que vou voltar pra casa dizendo que valeu a pena ter saído em vez de ter assistido a um DVD.

Ledo engano. Não mudo de opinião a respeito das pessoas, que continuam bonitas, ou da música, que supera as expectativas. Acontece que nem o melhor dos climas é suficiente quando quem não está no clima é você. Esse desânimo não se deve só ao mau tempo, à lei seca ou à porcaria que está a noite do Rio. É um acúmulo de sensações e percepções potencializadas por coisas que venho constatando há algum tempo.

Analiso. Os caras gatinhos são só isso mesmo, carinhas gatinhos. Não que eu saia com pretensão de me apaixonar. Sempre critiquei amigas que deixavam de ficar com alguém achando que “homem é tudo igual”, que “não valia a pena”. Talvez não valessem para namorar, mas que mal havia em dar uns beijos? Ainda não enlouqueci a ponto de achar que beijar faz mal, claro. Mas definitivamente, ficar com alguém na noitada tem acrescentado menos do que assistir à Zorra Total. É sério. E bizarro.

Conheci algumas pessoas bacanas em boates, sem terem sido apresentadas por amigos em comum. Foi assim mesmo, na cara, na coragem e na sorte. Nessa época eu achava que mesmo na noitada era possível diferenciar e ser diferenciada. Acreditava que pessoas que estavam ali para se divertir, mas que não eram como a maioria sem-nada-na-cabeça, se destacariam naturalmente. Isso mesmo num lugar com música alta, bebida no volume máximo e pessoas dispostas a tudo numa noite e nada no dia seguinte. Achava que funcionava assim, afinal, no mínimo tinha conhecido algumas pessoas ótimas dessa maneira.

Não sei se antes as coisas funcionavam assim mesmo e agora é que deixaram de ser. Talvez nunca tenham sido desse jeito e eu é que tive sorte de conhecer caras legais em ambientes duvidosos. “Era pra ser” ou naquela época ainda havia alguma chance de alguém na noitada valer a pena?

Hoje em dia, considero essas chances quase nulas. Nem é tão raro alguém bacana freqüentar noitada, o problema está na inversão de valores e no julgamento que todos, inclusive eu, fazem de todos, inclusive de mim.

Vejamos. Um carinha com algum conteúdo vê uma mulher bonita na noitada. Imediatamente a coloca no rol das doidas que enchem a cara e vão lhe dar uns beijos sem o menor interesse no que ele tem a dizer. Ele tem certeza de que o único interesse ali é físico, talvez haja alguma atração também pela garrafa que ele banca em seu camarote. Aliás, na noite a garrafa tem essa função, atrair mulheres que têm esse tipo de pensamento. Mas quando volta pra casa sozinho, ou carrega alguma maluca mas, no fim das contas, continua sozinho, o carinha também reclama. “A mulherada tá foda”, todos eles dizem, se esquecendo do tipo de mulher que eles parecem buscar quando usam garrafas como ímã.

Seja porque o som alto minimiza chances de conversa, seja porque as pessoas não têm o que dizer, na noitada a dedução generalizada é que todos estão no clima do cala-a-boca-e-beija-logo. Não estão errados, começo a acreditar que a maioria prefere isso mesmo.

Então, eis que sou abordada por alguém que, embora talvez utilize seu cérebro em alguns momentos da vida, não está propenso a fazer uso dessa parte de seu corpo naquele momento. Como não ando lá muito receptiva pra esse tipo de coisa, declino o “convite” educadamente. Alguns aceitam com passividade e não têm o menor pudor de abordar a loira mais próxima. Outros não entendem que, para algumas mulheres, “não” ainda é “não”. Esses seres insistentes, bêbados ou com pouco amor-próprio, ou com tudo isso junto, me obrigam a ser menos educada do que eu gostaria.

É como se eu não tivesse direito de não estar a fim, afinal, estou na noite! Algo como “derrubou na área, é pênalti”, “saiu na chuva, é pra se molhar”. Eu, hein? Se nem quando entro numa loja de roupas e experimento dezenas de vestidos me torno obrigada a levar algum deles, vê lá se tenho que ficar com alguém só porque estou na noitada? Será que os homens não ouviram falar naquela comunidade do orkut que diz que “só vim pra dançar”?

A verdade é que mesmo que o cara seja exceção e mostre-se bacana e com algum conteúdo, a descrença é total, de ambas as partes. Nem dou bola, na certeza de que vou perder meu tempo. Assim, o carinha que cogitava conhecer alguém legal e bater papo em vez de chegar agarrando, começa a acreditar que é melhor mesmo beijar e pronto, como fazem seus amigos. Perde-se menos tempo, poupa-se energia e, no fim das contas, beija-se muito. Mas o vazio permanece.

Essas noites me cansam. Não são raras as vezes em que estou quieta em casa e insisto em aceitar o convite das amigas pra ir pra noitada. Vou, na tentativa de me convencer de que é possível me divertir assim ainda, mas no fundo sempre sei que a possibilidade de me arrepender é enorme. Até me divirto, porque minhas amigas costumam ser excelentes companhias. Mas sempre volto com sensação de que não valeu o esforço, e que se eu empenhasse a energia que gastei na noitada em bons livros, ganharia muito mais.

Acho que tudo tem seu momento, e minha noção de boa programação ultimamente não tem tido nada a ver com noites de sono literalmente perdidas. O som é alto lá fora, mas não o suficiente para abafar o barulho que ecoa aqui dentro. Um brinde às coisas boas da vida, principalmente às que vêm acompanhadas por cérebro.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O melhor amigo da mulher


25.09.08 - por Carol Medeiros

Quando era mais nova, ela pensava que o amor era parecido com o que via nos filmes e nas novelas. Mesmo assim, seu maior sonho nunca foi se casar. Até gostaria de ser mãe e se imaginava vestida de noiva, mas a idéia de se predispor a ficar para sempre com a mesma pessoa não lhe atraía.

Na juventude, conheceu muitos rapazes e namorou bastante, mas adorava o que a vida de solteira lhe proporcionava. As amigas discutiam sobre quão difícil era encontrar homens que quisessem algo sério. Ela encontrou muitos. Os homens não prestam? Ora, ela achava que prestavam. Caráter? A maioria deles tinha de sobra. Respeito por ela? Todos lhe estendiam tapete vermelho. Fidelidade? Existiu, até onde era de seu conhecimento. Mas também não tinha opinião completamente formada sobre a relevância do assunto.

Tinha certa facilidade para manter relacionamentos. Não que seu gênio fosse fácil, mas era divertida, companheira, mulher. E enquanto as amigas achavam namoro complicado, para ela, era simples: se está a fim, fica junto. Se não, pula fora. Pensando assim, abominava a traição, da mesma forma que a maioria dos seres humanos – até os que traem – abomina. Se um dos dois não estava satisfeito na relação, tinha a opção de terminar, em vez de continuar e ser infiel. Ou não?

Mas não foram raras as vezes em que comprovou que traições acabavam por reacender a chama da paixão de um casal que não havia se mexido para impedir que a vida a dois caísse na rotina. Tinha suas dúvidas se não havia outro modo de esquentar a relação. Além disso, rotina também podia ser algo bom. A raposa do Saint-Exupéry* já dizia que “é preciso ritos”.

Todas as vezes em que abandonou ou foi abandonada não lhe fizeram perder a crença de que uma relação poderia dar certo. Chegou a achar que tinha encontrado o homem da sua vida, mas terminou com ele porque achou que era jovem demais para encontrar o homem da sua vida. Tinha muito que aproveitar e não estava certa se todos os seus planos o incluiriam.

Sua autoconfiança nunca lhe permitiu cogitar que não conquistaria quem quisesse. Um dia, claro, não foi assim. Nesse dia, e em vários outros que se seguiram, ela chorou, chorou, chorou. E jurou que nunca mais ia se entregar daquele jeito.

Reencontrou-se por acaso com uma antiga paixão. Tinham vivido tórridos momentos juntos, mas ela não balançou dessa vez. Mesmo assim, ela não estava fazendo nada, ele também não, e se beijaram. Ele tinha namorada. Que m...!, pensaria a maioria. “Graças a Deus”, pensou ela, aliviada porque o status de relacionamento dele provavelmente tornaria inviável qualquer vínculo com ela a partir daquele momento.

O alívio não a impediu de julgar, não a si, mas a situação, ainda que momentaneamente. Era inevitável não pensar que um cara que não respeita a namorada, supostamente alguém de quem ele gosta, não deve ser capaz de respeitar muitas outras coisas. Óbvio que ela não ia pagar pra ver. Mas o encanto ali se quebrou. O mundo estava perdido! Não era mais possível confiar nas pessoas.

E foi aí que aconteceu. Depois de tantos relacionamentos, tantas farras e tantos amores, ela começou a repensar seu modo de encarar a vida a dois. Costumava achar que relacionamentos que não têm paixão não lhe serviam, mas nunca tinha pensado que paixão acaba mesmo, e que isso não necessariamente transforma uma relação em monótona, desde que a sedução seja ininterrupta, como uma vez lhe disseram.

As loucas paixões que tinha vivido eram só isso mesmo – loucas. Faziam-na sentir coisas das quais ela bem se lembrava, afinal, intensidade era seu forte, mas definitivamente eram sensações incapazes de se sustentar. Havia um meio-termo em relacionamentos? Era possível amar, respeitar, querer ficar junto, mesmo após a paixão ter se transformado em algo mais pacato? E mais do que isso, achar que esse novo sentimento era suficiente?

Sempre pensou que esse mar calmo não era onde preferia pescar. Dia desses, tinham dito na TV que “a Terra gira, e quem não tem fôlego para acompanhar, enjoa”. Tinha adorado aquela frase do mesmo jeito que tinha enjoado diversas vezes na vida, achando que seus relacionamentos já não lhe apresentavam nenhuma novidade.

Teriam caído na rotina? Hoje ela percebe que não. Talvez viver a dois fosse assim mesmo. Escolher todos os dias estar com a mesma pessoa. Ter coragem de assumir riscos e terminar a relação quando ela ou ele não forem mais os escolhidos, em vez de trair. Não julgar a infidelidade alheia, mas não fazer concessões sobre lealdade.

“Não dá pra viver uma paixão intensa pro resto da vida”, concluiu, mas talvez dê pra conquistar um ao outro dia após dia. “Isso dá muito trabalho”, ela pensou. Então, tomou sua decisão. Atravessou a rua e comprou um cachorro.
* NOTA DA AUTORA: nunca leu "O pequeno príncipe"? Não sabe o que está perdendo.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Miss Perfeitinha

16.09.08 - por Carol Medeiros

Tinha acabado de desligar o telefone. Falava com ele, o ser a quem tanto amou e a quem evitava desde o rompimento. A pessoa a quem ainda temia amar. Desde a separação ela tentava não encontrá-lo, não atendia seus telefonemas, mas no fundo, torcia pra que ele não sumisse assim, tão repentinamente. Sempre soube que ter notícias dele era mexer em ferida não-cicatrizada, mas o tempo, ela estava certa disso, ajudaria a curar.

O tempo passou, não muito, mas o suficiente pra que ela percebesse que ele não estava colaborando, não dessa vez. A dor, que deveria diminuir a cada dia, de acordo com a lógica dos pés na bunda, permanecia a mesma do dia do rompimento. Por vezes, chegava a ter a sensação de que era toda tomada por aquele sentimento sem nome, de tal forma que chegou a se questionar se um dia sorriria novamente.
Nem ela sabia o que lhe causava tamanha dor. O relacionamento havia sido intenso, o rompimento foi brusco, ficaram algumas mágoas. Mas nunca tivera dificuldade para se desapegar do passado, para superar um término. Retomar sua rotina sem rotina e conviver com lugares por onde andaram juntos, destinos pra onde planejaram viajar, filmes que pensaram em assistir, tudo isso agora sozinha, não era algo que a amedrontasse. Ela sabia que podia sobreviver. Definitivamente, não era a parte mais difícil.
O sexo não era lá essas maravilhas. O beijo, que dizem que é o que faz a gente se apaixonar, não encaixava assim tão perfeitamente. O papo, esse sim, era irresistivelmente sedutor. Que a desculpassem os burros, mas inteligência lhe era fundamental.
Do que sentia falta, então? Nem ela sabia dizer. Não dava nem pra cogitar ser falta da convivência diária, pôr a culpa no hábito de estar juntos, de contar as novidades. Nunca chegaram a ter isso, porque até pra brigar decentemente é preciso viver um relacionamento por inteiro, namorar no sentido pleno da palavra, se entregar.
Ela se manteve distante para não mexer na ferida, mas percebendo que a ferida não cicatrizava, talvez estivesse na hora de tentar outro caminho, pensou. E pensando sem pensar muito, pegou o telefone. E discou o número dele sem pestanejar nem recorrer a nada que não sua memória. Tinha certeza de que havia tomado a decisão certa, ao menos a certa para aquele momento.
Ao fim da ligação, sentiu-se aliviada. Uma hora e 29 minutos foram mais significativos para começar a entender o que se passava com ela do que todo aquele tempo de sofrimento, ou talvez ambos se somassem - concluiu sem se importar muito com explicações desta vez.
Sem saber o porquê nem do que continua sentindo falta, pensou que talvez pudesse ter mais saudades do que não viveu do que do que tinha vivido com ele até então. Ainda mais não tendo sido opção sua, logo ela, linda, inteligente, cansada de ouvir frases como “você pode ter o homem que quiser”. Não, ela não podia!, concluiu no dia em que ele sinalizou que não queria mais. E, por algum motivo, deixar de ser a perfeitinha, que tem ou pode ter tudo o que deseja, parecia lhe afetar mais do que o fato em si de não ter o homem que queria.
Talvez já nem o quisesse tanto, ela hesitou em acreditar. E percebeu que, em vez de desejar que ele a amasse loucamente e que vivessem felizes para sempre, lhe agradava mais a idéia de ele implorando por seu amor, e ela exercitando seu ar de desprezo. Mas isso a faria sentir-se poderosa novamente?
Aí, lembrou-se de que todas as vezes em, contra tudo e contra todos, tomou decisões em sua vida, confiando apenas na sua percepção do que valia ou não a pena. Não foram tantas vezes assim, mas o suficiente para lembrar a ela da força que tinha, de seu poder de decisão – se não em todas as situações, pelo menos em relação ao que fazer de sua vida.
E foi assim, depois de confrontar seu maior medo naquele momento e pegar o telefone, que ela se deu conta de que não precisava que ninguém validasse seu poder de decisão. Não precisava que o outro a quisesse, e ela não mais a ele, pra se sentir poderosa. Ela era, e pronto. E assim ela se libertou. Não dele nem do relacionamento que acabou, mas da idéia de ter que ser perfeita.
Um dia, um paquera disse a ela: “você é bonita, inteligente, marombeira e ainda gosta de futebol. Parece ser a mulher ideal!”. Horrorizada, ela respondeu: Deus me livre!

E disse Danuza Leão

16.09.08

Alguns passam pela vida - feliz ou infelizmente – sem conhecer a paixão.
Quando ela se anuncia, há um momento em que ainda é possível recuar,
mas quem se deixa levar deve saber que é um precipício onde vai ter que se atirar de olhos fechados,

seja para o que for.
Depois é o abismo, onde não pode existir nem passado nem futuro,
nem mesmo a vida.
E é por isso que um dia a paixão acaba

- para um dos dois.
É quando um deles se dá conta de que para viver uma paixão é preciso abrir mão de tudo

para que ela possa continuar existindo.
Pobre de quem não viveu uma paixão,
pobre de quem viveu.
Pobre de quem sucumbiu a uma paixão,
pobre de quem sobreviveu a ela.
Porque quem sobreviveu fez a mais difícil das escolhas.
Entre a paixão e a vida,

preferiu a vida e nunca vai saber se fez a escolha certa:
afinal, a paixão só acontece uma vez,

quando acontece.
E nunca mais.

[Danuza Leão]

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

No jogo da vida, quem dá as cartas?

04.09.08 - por Carol Medeiros

Em meu último texto, escrevi sobre saudades. Por uma ironia do destino, dessas que ninguém explica, logo depois recebi uma notícia que me deixou estarrecida e que, infelizmente, está longe de ser um fato isolado no meu círculo de amigos. Um ex-colega de escola, não muito próximo, mas a quem eu queria bem, faleceu. Além da tristeza pela perda, o que mais me choca nessas horas é ver esfregado na minha cara, sem a menor cerimônia e da pior forma possível, o quanto a vida é banal. De fato, pra morrer, basta estar vivo.

Na semana passada, encontrei com um amigo em uma boate. No dia seguinte, soube que ele havia batido de carro, e que quando saiu do veículo pra posicionar o triângulo de sinalização, foi atropelado. Sofreu algumas fraturas graves, ainda está internado, mas a morte está tão escancarada na nossa frente que o fato de ele estar vivo faz com que eu respire aliviada e diga que “não aconteceu nada com ele”.

Eis que uma semana após o acidente, este outro conhecido, dos tempos de colégio, voltava do aniversário de um amigo nosso. Não sei exatamente como, até porque não tenho a menor inclinação para detalhes sórdidos e mórbidos, mas o fato (lamentável) é que, após bater de carro, ele teria parado em um posto de gasolina e também acabou sendo atropelado. O motorista fugiu, e infelizmente esse camarada não teve a mesma sorte do meu outro amigo, e não está mais entre nós.

Ainda em choque, comentei com uma amiga sobre como pessoas boas têm partido de forma boçal. Essa amiga trabalhou com a sócia da grife Bisi, que faleceu há poucos dias, logo após o parto de sua filha. A morte dela tem sido amplamente noticiada pelos jornais, mas a dor de quem a amava certamente jamais será fielmente retratada. Reproduzo aqui as palavras da minha amiga: “Carol, aquela mulher... não podia ter acontecido aquilo... ela estava louca pra ter aquela menina. Uma semana antes de dar à luz, ela comentou que não precisava de mais nada na vida, que estava completa”. Esse mundo é louco mesmo.

Em seguida, minha querida amiga disse que apesar de não ver a morte como uma coisa ruim, fica triste porque “ela tira pessoas boas de um mundo com tanta gente ruim”. Ela tem razão, mas como eu não tenho opinião formada sobre a morte (e acho que nunca vou ter), hoje não sei o que pensar nem o que escrever. Pouco me importa encadear palavras. A verdade é que me sinto um pouco perdida.

Já perdi muitos amigos em acidentes de carro e sempre via a história se repetir. Em busca de algo que lhes confortasse, familiares e amigos tentavam justificar a perda com “desculpas” para a fatalidade. Claro que sempre havia quem, até numa hora dessas, soltasse o veneno. De um jeito ou de outro, era um festival de “os jovens de hoje são imprudentes”, “lógico que o motorista estava bêbado”, “culpados são os pais que deram um carro potente” etc, todas tentativas frustradas de obter explicação para o inexplicável.

E agora, de quem é a culpa? Já pararam pra pensar na bizarrice da situação? Bateu com o carro, mas podia ter sido pior. Sempre pode, não é mesmo? Sai do carro e é atropelado. Como sempre “podia ter sido pior”, você morre! Complexo e simples assim. E o indivíduo (é humano? Será mesmo?) ainda foge. Não presta socorro nem responde criminalmente, e sou capaz de apostar que ainda dorme à noite. Que mundo é esse?

Perdi as contas de quantas vezes reprimi algum amigo que não tinha condições de dirigir e o fez, “bancando a chata”. Normalmente, nesses casos, não vale o “quem avisa, amigo é”. Todo mundo se acha super-herói, sou testemunha de que às vezes achamos mesmo que “com a gente não acontece”. Lego engano.

Aconteceu com os rapazes, todos da mesma turma, que estudavam no meu colégio e morreram num mesmo acidente, quando eu tinha uns 16 anos. Aconteceu com a amiga que dirigia o carro onde estava a minha melhor amiga, que por pouco não se foi junto com ela, e só eu sei como sofri assistindo, de perto, à sua recuperação física e emocional. Aconteceu com amigos do meu irmão, com amigos dos meus amigos, com amigos de quem agora lê esse texto. É quase impossível achar alguém com 20 e poucos anos que não tenha perdido um amigo.

Nessas horas, vemos que pode acontecer com qualquer um. Até – admire-se! – comigo e com você. O problema é que até então, embora muitos não parecessem se preocupar de verdade com isso, parecia que “bastava” ter responsabilidade, não dirigir depois de beber, ser prudente no volante. Agora está fora do nosso alcance, se é que em algum dia esteve sob nosso controle.

Recentemente, dois casos me chocaram. Em ambos, jovens médicos, coincidentemente recém-casados, e com indícios de um futuro brilhante, se descobriram portadores de doenças que podem lhes custar a vida. Sou leiga no assunto e não dizer o que cada um tem, mas posso afirmar que nos dois casos a vida se mostra fugaz e por um fio, que ninguém é capaz de enxergar com nitidez onde está para segurá-lo e impedir que seja cortado.

Situações assim sempre me fazem refletir absurdamente. Não vou dar uma de Poliana e dizer que devemos perdoar tudo e todos, não dando importância à perda do emprego, à traição do namorado ou à briga com os pais. Tudo bem que “sempre podia ser pior”, mas cada problema tem seu tamanho e ninguém tem o direito de minimizar o que te chateia. O grande problema – e não é raro - está em permitir que coisas ruins, porém não catastróficas, tomem proporções gigantescas em nossas vidas.

Então, a tristeza se acomoda na gente. Mesmo sem perceber, às vezes usamos os problemas como argumento pro marasmo em que nos permitimos ficar. É o velho papo, embora em outro contexto, de procurar justificativa pros acontecimentos da vida. Soa familiar?

Não serei hipócrita em dizer que amanhã vou relevar o que meus desafetos (inimigos creio que não tenho) me fizeram, porque não vou, não. E tenho o direito de não querer fazê-lo. Apesar disso, vou tentar não deixar que isso me consuma, que tome tempo dos meus pensamentos e energia da minha vida. Não sei o dia de amanhã, porque desconheço quem dá as cartas. Só sei que tem alguma coisa muito esquisita acontecendo nesse mundo. Vida louca, vida, vida breve. Enquanto essa sensação de vazio e de impotência não passa, vou ser feliz e já volto.

domingo, 31 de agosto de 2008

Saudades de quê?

31.08.09 - por Carol Medeiros

Sentir saudades dói tanto que às vezes chega a ser cruel.

Como bem escreveu o jornalista e amigo Bruno Rodrigues em seu excelente blog Deu Bigode (deubigode.blogspot.com - confiram, vale a pena),
“a música é um retrato das cenas por nós vividas. Numa quarta-feira sem graça, você escuta aquela faixa que te remete aquele lugar. É o bastante pra você querer sair de onde está e brincar de passado. O detalhe é que você, infelizmente, não consegue brincar de passado sozinho.”

Não sei se alguma vez na vida alguém conseguiu sentir saudades sozinho. Isso explica porque a palavra é no plural, com “S” no final, apesar de a gente comumente dizê-la no singular. Pouco importa. Qualquer coisa torna-se insignificante quando falamos de saudade e da dor que ela provoca.

Saudade de quem mora longe, dói. Saudades de tempos que não voltam, também. Saudade de quem faleceu e não volta mais, dói a beça. Assim como sentir saudades de quem, mesmo que não tenha partido pro andar de cima, partiu da nossa vida e nos deixou com um baita sentimento sem nome, sem saber o que fazer com ele. E quando o sentimento acaba, a gente deixa de sentir falta dos momentos que vivemos, mas continuamos com uma sensação de vazio, nos questionando sobre como teria sido se não tivesse deixado de ser.

Inventamos de tudo: viagem, novo corte de cabelo, compras, noitadas, em tentativas diversas de deixar a saudade em casa em todas as vezes que sairmos. E ainda nos surpreendemos quando isso não acontece! Me disseram certa vez, “tentamos fazer barulho lá fora para calar o que grita aqui dentro”. Por algum motivo, seria uma tragédia se escutássemos.

Saudade é mistura de vários sentimentos. Sentir falta de quem não está mais ao nosso lado, além de doer pra caramba, provoca uma terrível sensação de impotência. O que eu fiz de errado? Por que não deu certo? Perguntas nem sempre têm respostas, e assim como sentir saudades, relações entre duas pessoas também são feitas no plural.

Quando a saudade se mistura a outros sentimentos, acontece de a gente nem entender do que sentimos falta realmente. Dia desses revi fotos de alguns bons momentos da minha vida e, apesar de sentir saudades daquela época, não sei se gostaria de voltar no tempo, se pudesse. Talvez o que nos perturbe na nostalgia é saber que a história que fotos, músicas ou cheiros trazem à tona acabou, e que os momentos que poderiam ser vividos dali em diante, não mais serão.

Saudade dói de qualquer jeito e talvez seja o único sentimento que nunca vamos deixar de sentir: ela apenas se transforma. No caso da morte, a saudade de quem se foi não acaba nunca, mas aprendemos a lidar com a ausência. E quando um coração partido se recupera, ele é capaz de amar novamente, mas terá sempre cicatrizes.

Não importa do que você sinta falta, o lugar que a saudade decidiu ocupar na sua vida é o mesmo: ela está instalada no coração e se espalha por todo o corpo. Às vezes adormece, mas basta um som, um cheiro, uma voz, uma imagem pra saudade ser despertada. Ela não quer nos largar, nós é que precisamos nos livrar dela. É difícil, mas não impossível. Segundo a minha mãe, dor de amor dói, mas sempre passa. E é de domínio público que mãe sempre sabe das coisas.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Reencontro de si mesmo

27.08.09 - por Carol Medeiros

A cena se repete. Você está triste, logo, não tem vontade de sair. Fica em casa pensando na vida, mais especificamente no que acabou de acontecer na SUA vida. Então, tudo, todos os filmes, todos os programas de TV, todos os entrevistados do Jô e até os comerciais te lembram ele. Ah, e todas as músicas, principalmente as músicas.

Claro que você não está a fim de sair. É compreensível e, eu diria, muito justo. É bom dar um tempo pra gente quando estamos tristes. É fundamental, inclusive, porque quando isso não acontece, acabamos atropelando as coisas e, pior, atropelando a nós mesmos.
Quando tentamos tapar buracos do coração, nem sempre a melhor opção é sair e conhecer outras pessoas. Ainda não tenho opinião formada sobre o bordão “amor com amor se paga”, mas acho que tem horas em que o melhor a fazer é se aquietar e chorar no travesseiro, que é lugar quente (se você tiver um cachorro, pode acreditar, ele será fundamental neste momento). O problema é o timing. Passam-se dias, semanas, meses e você lá, na fossa. Tudo tem seu tempo, e “viver” a tristeza faz parte da vida. Mas como saber quando é hora de sacudir, levantar a poeira e dar a volta por cima?

Hoje eu descobri uma coisa engraçada, e foi por isso que comecei a escrever. Quando estamos tristes, não queremos sair. Aí ficamos em casa e bate a deprê, então ficamos ainda mais tristes. Surgem programações bacanas, os amigos querem te tirar de casa, rola a festa do ano. E nada te interessa. Até que aparece algum evento, não precisa ser nenhum mega evento – aliás, é até melhor que não seja -, ao qual você simplesmente não tem opção de não ir. Mesmo sem vontade, se for aniversário de uma amiga querida, mesmo entendendo a sua fossa, sim, ela vai ficar uma arara se você não for.

E aí, já que não tem jeito e você vai ter que sair de casa mesmo, você levanta da cama, toma um banho quente, se livra da cara de choro e começa a produção. Escolhe uma roupa que te caia bem, porque já tem motivos suficientes pra se sentir mal naquele momento. Faz uma maquiagenzinha básica, nada de mais, mas que disfarce as olheiras. E aí, tcha-ram!
Você se olha no espelho. Seria exagero dizer que não vê mais sinais daquela tristeza que parecia que nunca ia passar, mas pelo menos se vê um pouquinho menos distante da mulher sorridente que ficou lá atrás, na semana passada, quando você ainda não tinha se entregado à fossa.
A tristeza não diminuiu a partir daquele momento. Ela não se desapaixonou de uma hora pra outra, nem deixou de sofrer. Quando ouvir uma música que a faça se lembrar do que passou, é provável que chore. Ainda nem está pensando em conhecer alguém, se arrepia só em pensar em se envolver novamente. Continua com vontade de ficar sozinha, pra não dizer com idéia fixa. Quer se conhecer, respeitar seu momento.
Ela nem se afastou propriamente da tristeza, mas quando se viu reagindo diante do espelho, ficou menos distante de si mesma. E isso a fez se lembrar de que, quando não nos perdemos de nós mesmos, sempre é possível se reencontrar.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Diga não aos candidatos sem educação!

25.08.09 - por Carol Medeiros

Agosto está chegando ao fim e resta apenas um mês até a chegada de outubro, mês de eleições municipais. Quando se trata de política, sei que o Brasil tem fama de deixar que tudo acabe sempre em pizza. Sei que está cada vez mais difícil acreditar que existem políticos honestos. Mas sei também que muitos eleitores usam o triste histórico da política no país como justificativa para não pesquisar em quem votam, sob o pretexto que “nada vai mudar mesmo”.

Estou incluída no grupo de brasileiros com mais de 18 anos de idade, mentalmente saudáveis (pelo menos é o que eu acho) e, portanto, preocupados em escolher, através do voto, vereadores e o novo prefeito da cidade do Rio de Janeiro. Apesar de ter dificuldade em acreditar que é possível fazer diferente, sendo o Brasil um país onde o voto é obrigatório, tenho duas opções: votar e votar, já que não considero anular o voto uma possibilidade. “Prefira sempre o erro à omissão”, sempre me disse meu pai. Ok, não dá pra fugir. Preciso decidir em quem vou depositar o que me resta de confiança para tornar o Rio não tão próximo de cidade sitiada.

Era sábado de sol e eu estava refestelada na praia quando ouvi vozes, que não vinham do meu inconsciente e aparentemente nada tinham a ver com algum trauma relacionado ao filme “O Chamado”. Eis que identifico de onde vêm as vozes, estridentes demais para serem ignoradas: tratava-se de um carro de som que berrava, em um volume inacreditável, o jingle da campanha de uma candidata a vereadora.

O objetivo era claro: massificar os ouvidos dos eleitores (e de quem mais tivesse o azar de estar nas redondezas) para fixar o número da candidata. Confesso que, involuntariamente, decorei o maldito número, mas com toda a certeza do universo, não vou digitá-lo na urna eletrônica. Até aquele momento eu não conhecia nada sobre a candidata em questão, e se o carro estava ali para reverter a situação, conseguiu: agora eu sei da existência da candidata, e também tenho certeza de que nela, eu não voto! Permaneço sem saber o que ela defende, mas algo me diz que não inclui sol, nem praia, e muito menos música de qualidade.

Dias antes eu tinha lido uma reportagem que mencionava bizarrices de candidatos a vereador do Rio. Como se não bastassem políticos corruptos e uns com uns nomes surreais, agora temos que aturar aqueles que literalmente prometem o impossível! Gente que não sabe quais são as atribuições do cargo que pretende ocupar e diz que vai fazer X ou Y sem se dar conta de que a criação de escolas, por exemplo, não pode ser decidida nem pelo mais bem-intencionado dos vereadores. É impressão minha ou mesmo com a facilidade no acesso à informação, há candidatos que elaboram propostas de campanha irreais? E é com essas propostas que eles desejam obter nosso voto? Pai nosso!

Também me irritam candidatos paradoxais. Propõem medidas rígidas visando preservação do meio ambiente e espalham “santinhos” pelas ruas. É só andar por aí para flagrar carros recheados com adesivos de candidatos estacionados em cima de calçadas, destruindo a pavimentação e impedindo passagem de pedestres.

Em tempos de decisões que só serão repensadas daqui a quatro anos, vale a reflexão: emporcalhar ruas e ouvidos de eleitores é sinal de falta de compromisso com a cidade e com o povo - os mesmos para quem, supostamente, tais candidatos devem governar.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Que jogo você joga?

18.08.09 - por Carol Medeiros

Em tempos de Olimpíadas, apesar de o fuso-horário comprometer a rotina de quem quer acompanhar as disputas, está todo mundo de olho nos Jogos. Seja torcendo pelos atletas brasileiros (agora mais pelas “zebras”, porque os favoritos ainda não mostraram por que assim são chamados), seja vibrando com cada recorde quebrado por Michael Phelps, cada competição que assisto me remete a um tema sobre o qual penso em escrever há tempos: o amor também é um jogo?

Somos criados para pensar que não. O amor é um jogo? Que absurdo, ora essa. O amor é pra ser sentido, demonstrado, percebido, e não racionalizado. Joguinhos, se existirem, só devem fazer parte do começo das relações afetivas, é o que nos acostumamos a pensar. De resto, deixa o coração falar mais alto.

E do “alto” dos meus 24 anos, com algum aprendizado sobre relacionamentos, hoje me arrisco a dizer que o amor pode ser um jogo, sim. Quem nunca pensou que “quando demonstro que gosto muito de alguém, a pessoa se acomoda”? Que relacionamento, por mais apaixonado que seja, resiste às não- renovações diárias de demonstrações de carinho, respeito e confiança?
Não é que tenhamos que medir cada palavra, cada gesto com quem amamos. Mas faz parte, sim, oferecer confiança em excesso em alguns momentos, e permitir um pouco de insegurança em outros. Sentir-se em uma relação estável, mas saber que é necessário conquistar e ser conquistado novamente dia após dia para manterem-se juntos. Faz parte do ser humano, ainda que não tenha consciência disso, não querer sentir-se seguro o tempo todo ao lado de alguém. Se não houver o risco de perda, o que pode se perder é a graça.
Conversando sobre os “jogos do amor” com uma amiga, me deparei com uma analogia muito interessante e que compartilho com vocês dada a simplicidade, ao mesmo tempo em que é profunda. Ela comparou o amor a partidas de tênis e de frescobol. Duas pessoas que jogam tênis têm em comum o objetivo de vencer, o que acarreta, necessariamente, na derrota de um dos dois. Os participantes são chamados de adversários e mandam “bolas ruins” um pro outro, porque o erro de um significa o acerto do oponente.
No caso do frescobol, olha que interessante. Não há vencedor nem perdedor, e comumente os pontos nem são contabilizados. Duas pessoas mandam “bolas boas” uma pra outra com o único objetivo de se divertir e não deixar que a bola caia, porque isso sim acabaria com a partida, ou resultaria no seu recomeço.
Como no jogo do amor funciona parecido! Há casais que jogam tênis sem perceber, e em vez de buscarem cumplicidade, diversão mútua e se preocuparem apenas em manter a bola no ar, disputam a vitória – que nunca chega, porque a “derrota” de um implica sempre no sofrimento também do outro. Por mais óbvio que pareça, como é difícil jogar frescobol! Não concorrer nem disputar, jogar o jogo do amor de modo que os dois sejam parceiros e não adversários, sem contabilizar pontos e percebendo que quando um recebe “bola boa”, o outro ganha também. Os dois, portanto, são vencedores, se não ao mesmo tempo, pelo menos se alternam nesse papel.
A bola caiu! E agora? Para tenistas, isso pode significar o fim da partida - a glória de um e a desgraça do outro. Pra quem joga frescobol, a queda também pode resultar no término da partida, ou não – é uma decisão que cabe aos dois que jogam. Afinal, não há pontuação, nem juiz, nem mesmo torcida – contra ou a favor. Há apenas duas pessoas que, se quiserem, podem continuar jogando juntas, tentando se divertir mantendo a bola no ar, mesmo sabendo que às vezes ela vai cair, inevitavelmente. E que em todas as vezes que isso acontecer, provavelmente um vai ter mais vontade de apanhar a bola do que o outro, porque o ser humano é complexo assim.
A partida continua se ambos concordam que não querem ser oponentes, e que apesar de já terem perdido antes, desejam continuar jogando. Talvez porque o jogo valha a pena, por si só. Talvez porque, mesmo sem certezas pro resto da vida, queiram manter a bola no ar. Ou simplesmente porque – e aí temos o exemplo da nossa dupla de vôlei de praia feminina nas Olimpíadas, que têm dificuldades em se entrosar porque nunca tinha jogado juntas -, aquela parceria é insubstituível.
O dono da bola e das raquetes sabe que não vai achar alguém com quem ele tenha tanta vontade de jogar. E quem joga com ele sabe que pode escolher jogar com outras pessoas, mas é essa bola que caiu na areia que ele quer manter no ar.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Cada um com seu cada um – e as prioridades nas relações


publicado em www.sacoleirachic.com.br em 18.06.08

Por Carol Medeiros

Dia desses assisti a “Sex and the City – o filme”. Antes que os homens que lêem a coluna percam o interesse, aviso que o tema é de grande utilidade para qualquer pessoa, do sexo feminino ou masculino, que já tenha tido, tenha ou pretenda ter um relacionamento com alguém. Sendo ou não fã da série, para quem assistiu ao filme ou pensa que “é coisa de mulherzinha”, recomendo atenção. Afinal, se até a protagonista Carrie Bradshaw pode falar de relacionamentos, eu também posso.

Obviamente fui ao cinema ansiosa para matar as saudades da série que acompanhei por longas seis temporadas – e que acompanho até hoje, diga-se de passagem, vendo e revendo DVDs com todos os capítulos. “Sex and the City” mostra a rotina de quatro mulheres bonitas e bem-sucedidas que moram em Nova Iorque e vivem em busca do amor. Ou seria em busca de sexo? Ou de ambos?

É difícil definir o conceito de uma das séries mais famosas dos últimos tempos, mas garanto que é imperdível por um motivo: apesar de as personagens serem retratadas com exagero, tenho certeza de que todas as mulheres se identificam com um pouco de cada uma delas. É bom esclarecer que não se tratam de mal-amadas desesperadas à procura de maridos (embora, admito, isso aconteça em alguns episódios), mas sim de mulheres com questionamentos pertinentes à realidade da maioria de nós, mesmo daquelas que não tem o armário repleto de sapatos Manolo Blahnik.

Carrie, a personagem principal, é uma escritora que, durante dez anos, vive às indas e vindas com Mr. Big, um charmoso quarentão. Ao longo das seis temporadas do seriado eles terminam e voltam dezenas de vezes, e ele chega a se casar com outra – ainda assim, não consegue ficar sem Carrie. No último episódio do seriado eles se entendem, e decidem morar juntos no filme que está em cartaz nos cinemas.

Até aí, tudo bem. Até que decidem, de um modo peculiar, se casar oficialmente. Carrie compra uma roupa discreta (o que foge à sua regra) e Big sugere uma cerimônia para poucos convidados, o que se torna impossível dada a popularidade da escritora-celebridade. Ocorre que Big, que está no terceiro casamento, acha tudo over, fica confuso e desiste de se casar com a protagonista (quem ainda não viu o filme, não me mate. Podem acreditar que o final não é o que mais importa, mas sim o questionamento que ele suscita).

Big não desiste do casamento porque não quer ficar com Carrie, mas sim porque se sente intimidado, se acovarda. E depois de muito sofrimento de ambos em algumas horas de filme, o casal se reencontra e, desta vez, sem champanhe, festa para 300 convidados e nem vestido de noiva de Vivienne Westwood, ficam juntos pra valer.

Quando o filme acabou, fiquei confusa. Eu imaginava que o casal-sensação terminaria junto, por razões óbvias. Mas depois de acompanhar, com o coração na mão, o sofrimento de Carrie ao longo de seis temporadas, sendo coroado com a desistência de Big na porta da igreja, fiquei pensando se o “happy end” fazia algum sentido. É compreensível a escritora continuar amando Big; a gente não manda no coração nem quando ele é destroçado. Mas vale a pena ficar com alguém tão complicado a ponto de qualquer fator externo o fazer pensar se quer mesmo estar com você?

Voltemos ao dilema da “dose certa”, tema da minha segunda coluna. O filme, os episódios da série e os da vida real, vividos por mim e por zilhões de amigas, evidenciam a dificuldade de, ao gostar de alguém, decidir entre dois caminhos que parecem opostos. Optar pelo caminho do amor, louco amor, aquele que faz o coração bater mais forte, dá frio na barriga, mas também traz complexidades que fazem sofrer, que nos impedem de pensar com a cabeça.

O segundo caminho parece mais tranqüilo e indica uma relação estável e saudável, onde cada um tem vida própria e não há espaço para sentimentos como ciúmes. Dada a ausência de qualquer coisa que fuja à serenidade da relação, não por acaso não há espaço também para um amor arrebatador. Não sei se acredito no “meio do caminho”. Também não sei se, no lugar da Carrie, conseguiria me esquecer de ter sofrido tanto por alguém simplesmente por amá-lo. E não menosprezo o amor, só tenho minhas dúvidas se isso não é amar muito ao outro, mas pouco a si.

O filme nos faz lembrar também que não existe verdade absoluta em relacionamentos. Carrie até queria se casar num vestido suntuoso, mas ficou feliz trajando um tailleur simples e casando-se em cartório. A sensação que dá é que já que não dá pra ter tudo, ela opta por estar com Big em vez de ter a mais bela cerimônia com a qual sonhou. O que vale mais a pena na história deles? Não sei, e provavelmente não é o que mais vale na minha ou na sua. Prioridades, meus caros. Tão complexo quanto na série e no filme. Só que na vida real, não é o diretor quem decide se o final é feliz.

Nota da autora: ainda bem que escrevi a última coluna “Pra não dizer que não falei do Dia dos Namorados” antes de assistir ao filme. Quem for ao cinema vai descobrir que Carrie Bradshaw também concorda que, em relacionamentos, cada casal precisa estabelecer, juntos, suas regrinhas.


email para esta coluna: mariacarolinamedeiros@gmail.com

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Pra não dizer que não falei do Dia dos Namorados

publicado em 10.06.08 na coluna Versatilidade Chic - www.sacoleirachic.com.br

por Carol Medeiros
As idéias para escrever a coluna tem sido tantas que sempre fico na dúvida sobre o tema, exceto desta vez. Na semana do Dia dos Namorados, em que a paixão dos casais vira a bola da vez em TODOS os lugares, eu me rendo! Mas vou falar sobre o assunto do meu jeito.

Dia desses encontrei um livro que tenho há séculos. Na verdade, eu o peguei emprestado de uma amiga quando devíamos ter uns 14 anos e gostei tanto que, assumidamente, não devolvi (algo me diz que ela deve achar sábia a máxima “CD e livro não se emprestam”. Enfim.). “100 razões para ficar com ele / 100 razões para livrar-se dele” é o título do livro de Sharon Naylor que, à primeira vista, mais parece uma obra banal de auto-ajuda (confesso que ele não me chamaria atenção em nenhuma livraria), mas sua obviedade se torna interessante na medida em que ele pode ser usado (sugestão minha) como livro de consulta.
Explico: o livro traz, em tópicos, “motivos” para manter ou não um relacionamento amoroso com alguém. E desenrola cada uma dessas razões, defendendo, por exemplo, que devemos nos livrar de um homem quando ele implica com nossas roupas. Segundo a autora, esse comportamento mostra que ele quer tornar a parceira uma marionete particular, e a implicância é só o modo de começar a “puxar as cordinhas”. E não é que ela tem razão?
Sou da teoria que atitudes refletem o caráter. Gestos que parecem bobos podem sinalizar traços da personalidade que desembocam em “razões para ficar com ele” ou, nesse caso, “razões para livrar-se dele”. Exageros à parte, o livro traz dicas bacanas sobre coisas que, às vezes, um coração apaixonado evita, a todo custo, que os olhos enxerguem.
O lado romântico da obra narra 100 razões que fazem de uma pessoa alguém com quem vale a pena ficar. Por exemplo, se seu animal de estimação adora seu namorado é um forte indício de que ele é, de fato, uma boa pessoa. A autora diz que os animais costumam ter percepção afiada para essas coisas, e no caso da minha Belinha, posso dizer que ela sempre acerta.
Mas o que mais me fez pensar relendo o livro foi perceber que nem sempre alguém que tem 99 de 100 razões para “ficar com ele” é alguém com quem, necessariamente, se queira estar. Às vezes o cara tem, sim, muitas qualidades que o tornam o namorado quase-perfeito, mas a perfeição é uma armadilha e cansa. O resultado é uma operação nada matemática onde somadas, as razões que fazem com que alguém “valha a pena ficar” resultam em nada além de pré-requisitos. Claro que “seu pai gostar dele” e “ele não se lamentar da própria infância” colaboram para que uma relação seja legal, mas isso não determina se uma relação vai dar certo. O desafio é descobrir: se não é só isso, o que é, então?
Ninguém sabe o que faz duas pessoas se gostarem. Dizem que a única regra do amor é que não há regras, mas eu discordo. O que não existe é uma regra comum a todos os casais, porque cada um deve estabelecer junto as suas, penso eu. E elas podem soar absurdamente bizarras para outras pessoas, mas às vezes é o que mantém o casal unido e apaixonado, pelo menos enquanto durar. E não é raro algo que seja um pequeno deslize aos olhos de uns significar a separação para outros. Porque para aquelas pessoas (ou, ao menos, para uma delas) havia algo importante ali que não foi “cumprido”. E aí, já viu.
O livro destaca razões para ficar ou não com alguém. Entretanto, não lista o que fazer quando há muitos motivos para não ficar com ele e apenas um que faz com que você queira enormemente fazê-lo, simplesmente porque tem uma coisinha ali que encanta, atrai, comove. Apaixona.
“O coração tem razões que a própria razão desconhece”, disse o filósofo francês Blaise Pascal, que era também físico e, veja só, matemático. Segundo uma busca no não muito confiável mas sempre útil Google, Pascal defendia que o coração era a fonte dos conhecimentos humanos de maior valor, os quais a razão não podia compreender nem justificar. E isso lá pelo século 17! Algo mais atual?

Pouco antes de escrever essa coluna, li um trecho de um poema atribuído a Fernando Pessoa (já disse que não confio muito na autoria do que leio na internet) e morri de vontade de encaixá-lo aqui. Diz assim:


“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia, e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.

Fiquei pensando em um link entre minha mais nova descoberta poética e o Dia dos Namorados. Daí, percebi que nos relacionamentos quase sempre o novo atua de forma ambígua: atrai e intimida. A gente enjoa da mesmice, mas tem medo de provar o que não conhece. Não quer ir ao mesmo lugar, mas não toma a iniciativa de pegar outro rumo. Dica pro Dia dos Namorados, seja só ou a dois: desfrute da sua companhia e, se for o caso, da do outro, mas estabeleça suas prioridades e razões para ficar com alguém ou se livrar dele. E nunca, por razão nenhuma, permita-se ficar à margem de si mesmo.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

O que você vai ser quando crescer?

publicado em 02.06.08 na coluna Versatilidade Chic - www.sacoleirachic.com.br

Por Carol Medeiros

Desde crianças somos perguntados: “o que você quer ser quando crescer?”. Nas redações da escola, nas festas de família, nos encontros com os amigos dos pais, todo mundo quer saber o que pensamos sobre o futuro. E assim vamos sendo treinados pra pensar no longo prazo, pra refletir sobre o que queremos pra nossa vida bem lá longe, quando “formos grandes”.

Curioso é perceber que não são poucas as pessoas que passam a vida inteira tentando, sem sucesso, responder a essa pergunta pra si próprio. E quem não consegue, em geral, se frustra. Tem aqueles pra quem a vida adulta nunca chega. Tem aqueles que crescem, se formam, se tornam profissionais competentes, bem-sucedidos aos olhos dos outros, e nem por isso acreditam ter achado a resposta para “o que vou ser quando crescer”. Outros se cobram tanto sobre o que vão ser que não vivem o presente, e o que é o futuro se não uma sucessão de fatos vividos aqui e agora?

Há também quem saiba o que quer ser desde criança. Esses, normalmente, são “utópicos” ou “cabeça-dura”. Raramente são vistos como seres determinados, que sabem o que querem desde sempre. É mais fácil acreditar que são pessoas que simplesmente não admitem mudar de idéia, que decidiram o que queriam fazer de suas vidas quando crianças e, portanto, não faz sentido manterem a mesma opinião depois de crescerem. Será mesmo que não?

Nos tempos de escola, me lembro que esse era um tema recorrente em redações. Em sala de aula, a resposta para “o que você quer ser quando crescer” costumava vir atrelada a objetivos profissionais. “Quero ser médico pra cuidar das pessoas”, dizia um. “Quero ser advogado como meu pai”, escrevia outro. Não me lembro de ter ouvido em algum dia na infância uma resposta que se parecesse com “quero ser bem resolvida, saudável, saber me relacionar com as pessoas, ser capaz de tomar decisões, saber apreciar um bom vinho, ler bons livros e conhecer o mundo”. Ok, uma criança não diria mesmo isso, mas se dissesse (com exceção do vinho, porque aí eu também me preocuparia), provavelmente seria repreendida pela professora que, partindo da falsa premissa de que “o aluno não entendeu”, explicaria que tipo de resposta era admissível para tal questionamento.

Dia desses, um professor da minha pós-graduação, bem longe dessa época de redações escolares, disse que devemos aprender a “enxergar além, quebrar paradigmas”. Ele usou como exemplo a figura de um vaso branco inserido em um fundo preto. Se olhássemos o fundo em vez de o vaso, víamos duas pessoas, mas é claro que a maioria viu primeiro o vaso, que é o óbvio, o que estamos treinados a ver.

Não sei não, mas acho que há alguma coisa paradoxal nisso tudo. Quando somos crianças faz-se de tudo para que não fujamos a nenhum padrão, sob pena de nos tornarmos adolescentes problemáticos, autistas ou, no mínimo, precoces. Depois que crescemos e, em razão de experiências como a das redações escolares, nos acostumamos a enxergar o que a maioria vê, vem a necessidade de “quebrar paradigmas”. Alguém pode me explicar de que jeito?

Num país onde algumas crianças perdem sua infância nas ruas ou em trabalhos escravos, outras perdem tempo em frente ao computador, literalmente cercadas dentro de condomínios, sob justificativa paterna de que “assim estão seguras”. Que estão relativamente protegidas da violência das cidades, até posso concordar. Mas essas crianças não estão protegidas contra coisas igualmente nocivas, como o conteúdo perturbador da internet e os absurdos da TV. Menos protegidas ainda elas estão de pais e professores que consideram como resposta ideal para “o que eu quero ser quando crescer” qualquer coisa que não fuja à regra, o que, por alguma razão, seria ruim.

O que eu vou ser quando crescer? Não sei. Vou tentar, experimentar, viver. Aí, descubro e venho contar.