domingo, 29 de março de 2009

Paixão e libertação

29.03.09 - por Carol Medeiros

Todo mundo fala dos direitos que as mulheres conquistaram ao longo dos séculos. Mas além do direito de votar, da conquista de espaço profissional e da suposta igualdade entre os sexos, no século 21 as mulheres, principalmente as solteiras, têm direitos que nossas antepassadas desconheciam.

Antigamente as mulheres namoravam o mesmo cara a vida inteira, e normalmente os dias se passavam com o casal de mãos dadas no sofá da casa da moça. Este homem se tornava seu marido e a mulher tinha que se dar por satisfeita por não ter ficado “encalhada”. Independente se a relação a fazia feliz, ela era considerada sortuda simplesmente por ter se casado (ahn?! Medo!).

Hoje em dia temos liberdade de escolher com quem queremos namorar, casar ou manter qualquer tipo de relação. Os relacionamentos, aliás, ganharam milhões de apelidos: além do namoro existem rolos, ficantes, peguetes e mais algumas variações não-identificadas. Conquistamos a liberdade, enfim! A gente pode ir pra noitada e conhecer pessoas, pode beijar sem se casar, tem direito ao prazer. Quem quer ficar com um cara diferente por noite pode fazê-lo (aqui não cabe juízo de valor). Mas será essa a liberdade?

Tenho minhas dúvidas. Estar com pessoas diferentes a cada noite, mas que não têm nada a ver com você, pode aprisionar mais do que libertar. E aquela sensação de poder variar acaba não acarretando em diversificação, e sim em mesmice: é um beija daqui, beija dali... que, sem sentimento, acaba tornando tudo sempre igual em vez de variado.

Até que um dia, por motivos que ninguém sabe explicar, acontece: sabe-se lá como, onde e por que, algo bate diferente entre duas pessoas. É como um insight que surge quando menos se espera. Não tem a ver com qualidades, com inteligência e nem com atributos físicos, embora eles sejam inconscientemente considerados. O beijo encaixa, o coração acelera, a vontade de estar juntos é ininterrupta.

Se é recíproco, se vai dar certo, se é fogo de palha... é impossível dizer. Cada um sabe a dor e a delícia que é viver uma paixão, mas não importa agora, pois a verdadeira liberdade não é poder sair com um a cada dia, e também independe da probabilidade de dar certo. Sentir que as feridas estão cicatrizando, seguir em frente e lembrar que há um coração batendo no peito é que é verdadeiramente libertador.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Tapando buracos

16.03.09 - por Carol Medeiros

Na semana passada assisti ao musical “Avenida Q”. A peça, que estreou há alguns anos na Broadway e lá está em cartaz até hoje, é divertidíssima com suas piadas politicamente incorretas. Mas apesar do humor sagaz do musical, o tema central é o drama do jovem Princeton, que pena para descobrir: qual é seu rumo na vida?

Segundo o personagem, se você não descobre qual é seu rumo, vai viver a vida do dia-a-dia apenas de acordo com a maré, sem nunca saber para onde vai. Há quem diga que não é necessário que a vida tenha um “significado”, mas eu concordo com ele. Estamos todos procurando um sentido para o que vivemos, ou buscando compreender o que já existe. Enquanto não encontramos o “sentido da vida”, a gente vive tapando buracos.

Já ouvi mais um tal de “enquanto não encontro a pessoa certa, me divirto com as erradas”. Não tenho nada contra e acho que às vezes é bom mesmo viver desprendido, seja de namoro, de sentimentos ou de pessoas, mas devo admitir: pensar assim é apenas uma forma bem-humorada de tapar buracos do coração.

Há quem tenha um bom emprego, ótimo salário e não se sinta realizado profissionalmente. Conheço muitas pessoas assim. Mas como é necessário trabalhar e ganhar dinheiro, tapam buracos com uma rotina que não faz sentido para suas vidas.

Amizade sem afinidade, só por coleguismo, por educação ou conveniência, é um tapa-buracos. Ficantes que não despertam palpitações no coração estão apenas... tapando buracos. Estar a fim de ficar em casa e se “forçar” a sair é vontade de tapar o buraco que vai ser encontrado quando ficar sozinho e encarar o que está por trás dos fins de semana em que nunca se pára para pensar.

Não tenho absolutamente nada contra tapar buracos. Todos os temos e o tempo urge, não dá para parar o mundo cada vez que surge alguma cratera. O problema é que, algumas vezes, o buraco pode ficar grande demais e impedir a travessia. Aí, só recapeando toda a estrada.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Todo carnaval tem seu fim

09.03.09
É Carnaval em Salvador! E são os dias mais felizes do meu ano inteiro. Bem que eu tento reproduzir essa alegria em outros eventos ao longo do ano, mas é impossível comparar. Por que? A jornalista Adriana Setti, que pelo visto nem é tão micareteira mas se rendeu a um carnaval na Bahia, explica brilhantemente no texto abaixo.



Na foto: parte da turma SSA 2009 no 1o dia de Nana Banana, felizes como nunca!



TIRA O PÉ DO CHÃO! É muvuca. É bagunça. É barulho. É calor. E é bom demais!

Por Adriana Setti, Matéria publicada na revista Viagem e Turismo de 01/02/2006

Não foram poucas as vezes em que fui bombardeada por carnacéticos - aqueles que acham que esses dias de fevereiro são apenas um feriado qualquer - com questões do tipo “Como você se diverte enquanto é esmagada por milhões de pessoas sob um sol de 40 graus?”, “Quem pode gostar de músicas que rimam calor com Salvador e lê-lê-lê com iô-iô-iô?”, “Por que pagar tão caro só para usar uma camiseta espalhafatosa e, ainda por cima, estar cercada por uma corda junto com mais milhares de cretinos vestidos igual a você?”. Confesso. É tudo verdade. Mas há algo no Carnaval de Salvador que emociona, contagia, faz a vida parecer maravilhosa e, finalmente, vicia.

O difícil é conseguir que um cérebro racional entenda o mecanismo que faz com que pessoas aparentemente normais passem, de uma hora pra outra, a planejar o próximo Carnaval ainda sob o efeito da ressaca na Quarta-Feira de Cinzas e, em casos mais graves, a freqüentar micaretas até no sertão de Pernambuco para aliviar as crises de abstinência. Há quem diga que esse comportamento obsessivo pode ter algo a ver com a tal “magia da Bahia” ou, de repente, com alguma misteriosa substância presente na composição da alfazema borrifada pelos Filhos de Gandhi. Nada disso.

O grande barato é a esbórnia nua e crua, sem maiores misticismos. Ainda não inventaram uma balada tão insana como o Carnaval de Salvador. Ali, uísque e vodca fazem parte do café da manhã, beija-se loucamente o primeiro ser minimamente atraente com que se cruze um olhar por mais de meio segundo, amores eternos de cinco minutos surgem a cada esquina, queima-se o filme sem maiores conseqüências e pulam-se 20 horas diárias sem que o cansaço dê as caras. Dormir está fora de cogitação. Quando o bloco cumpre seu trajeto, é hora de esticar em algum camarote ou tentar sobreviver na pipoca para ver os outros trios. Como dizem os baianos, “se não güenta, por que veio?”.

Fui atrás do trio elétrico do InterAsa pela primeira vez em 1998. Comandado pela banda Asa de Águia, o bloco era, na época, o preferido de paulistas, cariocas e baianos à caça de beldades. Para desespero de minha epiderme báltica, a farra começava ao meio-dia, sob um sol que me transformou em pimentão lustroso em dois minutos. No maior espírito de “uma vez no inferno abrace (e beije) o diabo”, fingi que aquele calor hediondo não era comigo e canalizei todos os meus esforços para embalar meu esqueleto robocóptico ao ritmo de Dança da Manivela, a pérola do ano.

Não sei em que momento exato meu carnaceticismo se esvaiu em suor e cerveja. Mas, quando dei por mim, estava chorando de emoção em plena Praça Castro Alves, achando tudo lindo e desejando “que essa fantasia fosse eterna”, como diz o jurássico hit Baianidade Nagô (aquela que começa com “Já pintou verão, calor no coração”…).

Minha expertise carnavalesca, no entanto, só foi atingida dois anos (e dois carnavais, dois carnasampas, dois carnabeirões) mais tarde, quando por ironia do destino me mudei para Salvador. Julgando-me preparada física e psicologicamente, fui valente o suficiente para sair no bloco Camaleão, comandado pela banda Chiclete com Banana, de Bell Marques. Quem não transita pelo mundo dos abadás não tem idéia do poder desse barbudo. Com seu eterno lencinho na cabeça, ele já estava em cima de um trio (com a mesma barba e o mesmo lencinho) quando eu ainda freqüentava os bailinhos de Carnaval na matinê do Clube Paulistano vestida de colombina.

Bell pode não ter o sex appeal de uma Ivete Sangalo nem a fama internacional de um Carlinhos Brown, mas é o verdadeiro rei da Bahia (com o perdão de ACM). A primeira vez que o Camaleão cruza o nosso caminho a gente nunca esquece. A quarteirões de distância ouve-se um ruído grave, algo parecido com um trovão. Em seguida, a maré humana recua e desaparece por alguns minutos para em seguida voltar em êxtase, arrastando tudo o que estiver pela frente. A pipoca pula mais que nunca e espreme os membros do bloco até que três corpos ocupem o mesmo lugar no espaço. Alguns choram, outros gritam. Um verdadeiro delírio coletivo capaz de fazer qualquer carnacético tirar os pés do chão e morder a própria língua.

quarta-feira, 4 de março de 2009

E quem é normal?

04.03.09 - por Carol Medeiros

Essa vida é muito doida!
Dizem que a gente tem que estudar e trabalhar pra ser alguém na vida. Certos de que é isso que traz felicidade (ou, pelo menos, uma boa grana), passa-se a viver em função do trabalho, sentados o dia todo em cadeiras desconfortáveis, usando o computador, embora a coluna grite bem alto: pare, mexa-se, por favor! Deixamos a saúde um pouco de lado, porque não sobra tempo pra malhar. Ou sobra, se dormir menos. Mas dormir não era imprescindível pra manter a memória boa?

Quem dorme mal, fica mal no dia seguinte. O trabalho não rende. Mas se não abrir mão de algumas horas a mais de sono, não dá tempo de malhar. E pra dormir cedo e acordar pra ir à academia, tem que abstrair vida social durante a semana. E nem estou falando de noitadas não, considere vida social um cineminha, cuja sessão começa às 9 da noite, porque com o trânsito em todas as partes da cidade, é inviável programar algo pra antes disso. E se começa às 9 da noite, termina depois das 11, e aí, lá se vai a academia do dia seguinte.

Se não for assim, deixamos de ter vida social. Aí, todo mundo fica chato e começa a escutar que a vida não é só trabalho, que tem que ter diversão também. Mas quem tira férias por um mês (o que é assegurado como direito, e não favor, embora muitas vezes pareça o contrário), é olhado como “sem noção”, aquele que tem coragem de largar um monte de trabalho pra ousar se divertir, descansar, seja lá o que for, que petulância!

Acho que a maioria das pessoas, pelo menos as que me cercam, passam a vida tentando equilibrar tudo isso: estudo, trabalho, família, amigos, atividade física e vida social. Fomos ensinados que só assim seremos felizes. A culpa não é nem dos pais, porque com eles não deve ter sido muito diferente, guardadas as devidas proporções.

Aí vem um livro tipo o “Comer, rezar, amar”, vende 4 milhões de exemplares e nos prova que a maioria das pessoas se identifica, de alguma forma, com a angústia da autora, que largou toda a sua vida atribulada para passar uma temporada buscando o prazer na Itália, resgatando sua espiritualidade na Ìndia e seu “eu” na Indonésia. Nada pessoal, eu adorei o livro, mas confesso que aguardei ansiosamente pelo final da história porque estava crente que descobriria não o que a autora fez durante o ano que viajou em busca de reencontrar a si mesma, mas sim o que ela fez para, após o término da viagem, inserir as novas descobertas na sua rotina de americana de cidade grande? Como ser quem ela descobriu que era após sua vida voltar ao “normal”?

Será que a vida dela voltou ao que chamamos de normal, com emprego, trânsito, corre-corre? Depois de tantas experiências profundas e engrandecedoras, ela conseguiu voltar a trabalhar em algo tradicional, receber um salário por isso e, se quisesse manter sua espiritualidade aguçada, acordar horas antes do habitual para ter tempo de meditar? Será que é possível manter-se equilibrada espiritualmente voltando ao dia-a-dia de trabalho como jornalista e vivendo numa cidade como Nova York?

Não acho que seja impossível manter esse equilíbrio, embora tampouco seja fácil. Mas para mim a maior dificuldade de alguém nessa situação deve ser resistir às cobranças do mundo externo, incluindo pais, amigos e a sociedade como um todo. Ao ser questionado sobre o que você faz da vida, experimente responder “nada, eu busco o prazer e me encontrar espiritualmente” para eu ver a cara da pessoa! E, no entanto, acho que é o que todos buscam, de um jeito ou de outro.

Não gosto de rotular ninguém e acho que as pessoas são diferentes, mas o fato de o livro ter se tornado um best-seller demonstra, ao meu ver, como as pessoas estão desesperadas para deixarem de ser o que todos querem que sejam e se tornar quem elas são, de fato.
Um executivo de 55 anos, rico, que larga a multinacional onde trabalhou durante toda a vida e passa a viver de plantação de verduras sem agrotóxicos parece, para muitos, doido. Mas esse “doido” é perdoado pela maioria, afinal, já trabalhou a vida toda numa empresa tradicional, ganhou dinheiro, cumpriu seu papel perante a sociedade.

Daí eu penso: coitado desse cara, duvido muito que ele tenha sido feliz durante essa carreira e só anos depois é que tenha descoberto que seria mais feliz vivendo no campo. Duvido! Aposto que ele passou anos sendo não exatamente infeliz, mas no mínimo sem saber se era aquilo que ele queria pra vida dele. No entanto, também não buscou descobrir o que poderia lhe fazer feliz senão a multinacional, pois era um executivo bem pago e não devia ter do que reclamar. Como todo mundo adora o bordão “nunca é tarde para...”, lá foi ele, aos 55, vivenciar o que lhe dava prazer.

O que me impressiona mesmo é como as pessoas têm um problema com ser feliz. Todo mundo diz que quer ser, mas o boicote rola solto (e quando não parte de si, vem dos outros, pode esperar – ainda que seja inconscientemente). Quando se é jovem, aquele que ainda não passou pelos empregos mais frustrantes que um ser pode ter, que não construiu uma carreira supostamente bem-sucedida que não lhe trouxe um pingo de alegria durante anos, esse cara, em vez de ter direito à felicidade, é visto com estranheza. Nesse caso ele é jovem demais, não deve saber o que quer da vida, e nem pode saber o que não quer, afinal, nada viveu. É preciso que viva uma vida de frustrações para, então, conseguir sua carta de alforria e ter direito de buscar o que lhe faz mais feliz. Eta, mundo doido!

A sensação que às vezes eu tenho é que o fato de não saber exatamente o que se quer da vida (e quem sabe exatamente o que quer da vida algum dia?) implica em não ter credibilidade para determinar o que não se quer. Vai dizer a alguém que você não quer um emprego onde ganharia bem mas que não te dá tempo pra respirar, ou pedir pra sair mais cedo do trabalho porque sua aula de yôga é, sim, tão importante quanto sua função na empresa, vá você renunciar a uma oportunidade profissional que parece ótima para todos, exceto pra você, e automaticamente, tcha-ram: você se tornará aquele que não quer nada com a hora do Brasil.

E se o seu relógio simplesmente funciona de maneira diferente?