sábado, 29 de novembro de 2008

Mais uma dose

29.11.08

"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu, não: quero uma verdade inventada".

[Clarice Lispector]

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O surto

25.11.08 - por Carol Medeiros

Eu não tenho medo de morrer. Tenho muito, mas muito medo é de não viver. Sei que medo é ruim e paralisa a gente, daí o meu medo de ter medo e, consequentemente, de não viver como deveria, ou poderia.

A gente nunca está feliz, sempre já “foi” feliz. Assim, no passado. Olho situações que vivi, tempos que já foram e tenho convicção de que muitas coisas boas já passaram por essa minha vida! Ou eu que passei por montes delas, tanto faz. A sensação é de que daqui a um tempo vou olhar para o passado (que é o meu hoje) e pensar: “Bons tempos!”, embora hoje não tenha tanta certeza de que são tão bons assim!

Às vezes acho que estou ficando louca. Mas se só os loucos são felizes, então eu devia me sentir louca e feliz, em vez de me preocupar quando acho que estou tendo pequenos surtos! Ou não? Argh! Caso de internação, ou crise existencial à vista!

Não tenho medo da morte, mas da ausência da vida. Não gosto de pensar que um dia não vou mais acordar com a Belinha me lambendo. Que não vou mais abrir as cortinas e ver o mar sem nem ter que levantar da cama. Que não vou olhar o despertador e dar um pulo da cama por estar (mais uma vez) atrasada pra fazer um monte de coisas legais, outras nem tanto. Mas que um dia me farão falta, todas elas, algo me diz!

Não gosto de pensar que não vou mais abrir meu armário e ter certeza absoluta de que tenho 543 blusas inúteis, que as calças estão apertadas e que preciso urgentemente comprar sapatos novos, porque não tenho nenhum – NE-NHUM – que preste, incrível!

É chato a beça cogitar que um dia não vou mais comer o empadão da Adriana, nem vou mais ter vontade de comer chocolate de sobremesa. Algum dia não vou mais precisar ir à academia, o que às vezes é um alívio, mas com certeza não vou achar isso no dia em que em que eu quiser ir e simplesmente não puder.

Odeio pensar que todos os dias textos serão escritos por pessoas que escrevem bem melhor do que eu, e que eu não vou ler nenhum deles. Que gênios ganharão o prêmio Nobel e eu não estarei aqui para saber. Que ótimas peças de teatro serão encenadas e péssimos filmes entrarão em cartaz, e eu não poderei criticar nenhum deles, nem pro bem, nem pro mal. Ainda bem que no dia em que esse dia chegar, provavelmente Almodóvar e Woody Allen já não farão mais filmes imperdíveis. Egoísmo, eu sei.

Que chato vai ser no dia em que eu não puder ir pra noitada ou não tiver mais minhas amigas reclamando porque eu não quero ir pra noitada, mas mais estranho será quando eu não tiver mais pra onde ir, e daí não tiver mais dúvidas de que programação escolher.

Vai ser bem esquisito não precisar correr contra o tempo para dar conta de almoçar com uma amiga, trabalhar, checar emails, marcar dermatologista, fazer as unhas e pensar no futuro enquanto dou conta do presente.

Não consigo imaginar o dia em que não vou mais precisar incorporar a psicóloga para ouvir uma amiga. Quando isso acontecer, também não vou mais precisar pagar terapeuta para ouvir meus problemas, em compensação não terei onde gastar a grana que economizar, já que não tendo problemas também não haverá soluções, tampouco válvulas de escape.

Vai ser um bocado estranho não reclamar dos meus pais e não brigar com meus irmãos, nem ter vontade de morar sozinha. Aliás, vai chegar um dia que a última coisa que eu vou querer é ficar sozinha! A Belinha tem que viver para sempre!

Vai ter um dia, tenho certeza, em que não vou ficar angustiada por não saber o que fazer da vida, nem vou me preocupar em ser independente financeiramente. A vontade de ler todos os livros do mundo vai passar, e junto com ela passará a angústia por saber que nunca, de jeito algum, daria mesmo conta disso.

E então vai chegar o dia em que não vou ter mais sensações bizarras, medos nem vontades que eu quero que passem urgentemente. Quase chego a sentir alívio ao constatar que chegará um momento em que todos os problemas do mundo - pelo menos os do meu mundo - terão fim.

Ai, que tranqüilidade chata. Dá até sono. Quero meus problemas de volta.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Quase vintecinco

12.11.08 - por Carol Medeiros

Vou confessar publicamente um antigo vício: sou devoradora de palavras. Adoro ler! Livros, revistas, artigos, outdoors. Aquela história de ler rótulo de xampu e bulas de remédios não é lenda, pelo menos não comigo.

Mas este não é um texto sobre livros, e sim sobre hábitos. Almoçando com uma amiga num restaurante onde nós duas nunca tínhamos ido, ela me contou sua mais recente descoberta: a passagem do tempo estava relacionada a sair da rotina, mudar hábitos, ir a lugares até então desconhecidos.

Em função do meu hábito, o da leitura, fui em busca da informação que tinha ouvido e descobri que a teoria contada por minha amiga provinha de um texto do jornalista Aldo Novak. Atuando como coach, ele é conhecido na área de gestão pessoal, administração e equilíbrio de vida. Pois bem, Novak pesquisou sobre como o cérebro humano mensura a passagem de tempo, o que ele finalmente atribuiu à observação de movimentos, objetos, pessoas, natureza ou de repetição de eventos cíclicos. Novak diz que quando vivenciamos uma experiência pela primeira vez, o cérebro se “esforça” para compreendê-la, mas evita fazer duas vezes o mesmo esforço. O cérebro faz parecer que não vimos, não sentimos ou não vivenciamos pensamentos automáticos, repetidos, iguais.

Isso explica porque experimentamos sensações únicas nas “primeiras vezes” em que realizamos algo que nunca havíamos feito, conhecemos alguém ou algum lugar, enfim, descobrimos algo que é novo para nós. Do mesmo jeito, quando vamos a um lugar pela segunda vez ou passamos sensações repetidas com um namorado, por exemplo, nossa mente tende a automatizar tais experiências, sem processá-las, deixando de vivê-las em sua totalidade.

Acho que vem daí a comum dificuldade de lidar com a rotina: deixamos de vivenciar na plenitude situações que não são particularmente novas. Já pararam para pensar que nos mantemos apaixonados somente enquanto tudo é novo? Ainda estamos conhecendo a pessoa, logo, temos um zilhão de lugares para ir com ela, há muitas coisas que não sabemos ao seu respeito. Todo esse vasto acervo que desconhecemos deve ser maravilhoso, pressupomos ingenuamente. Durante a paixão, há sempre uma primeira vez para tudo.

Após algum tempo de relacionamento, nem a mais criativa das pessoas consegue manter-se como novidade, embora possa se reinventar (no bom sentido, sem máscaras). O problema é encarar o amor como uma sucessão de pensamentos e comportamentos automáticos.

Durante a paixão, a gente pode receber uma florzinha mixuruca, mas nos sentimos como tendo ganhado a flor mais especial do mundo, tipo aquela do planeta do Pequeno Príncipe (sim, eu adoro esse livro). Não tem problema nenhum se o cara não nos leva pra jantar em restaurantes bacanas. Dane-se se ele não tem nosso estilo – ou, ao menos, o que costumava ser o nosso estilo. Quando a gente se apaixona, parece que nada é capaz de acabar com o encanto da situação.

Nada, exceto o próprio tempo. A paixão acaba, meus caros. Não estou aqui para dar conselhos, tampouco sei verdades absolutas, mas cheguei a essa conclusão por experiência própria, do alto dos meus quase 25 anos - ou ¼ de século (acho que dito assim impõe mais respeito). Eu costumava me desesperar com isso, a idéia de não sentir frio na barriga 24 horas por dia me amedrontava demais. Eu era jovem demais para amar.

Quando comecei a entender que relações devem nos somar, e que só devemos permitir que permaneçam em nossas vidas aqueles por quem nutrimos bons sentimentos – porque a paixão não é, necessariamente, um bom sentimento -, percebi o quão bom é não precisar ficar colada ao telefone; afinal, se ele disse que vai ligar, vai mesmo. Se tenho que viajar e ficar uns dias geograficamente longe, não morro por causa disso – diferente do que acontecia no auge da paixão.

Embora não dê nunca pra se sentir 100% segura em nenhuma relação, é ótima a sensação de não ter como primeiro pensamento medo de tomar um “balão” enquanto estiver longe. Sinto saudades, e muitas! Mas sei que posso seguir a minha vida, porque o amor estimula a andar lado a lado, enquanto há relações que consomem tanta energia e requerem tantas preocupações que mal sobra tempo para olharmos para nossa própria vida. E se isso for paixão, tô fora.

Viver a estabilidade que a rotina proporciona, sem ir do céu ao inferno o tempo todo, é gratificante. Mas se estabilidade é bom, o friozinho na barriga é fundamental. Sentir-se inseguro numa relação é péssimo, mas segurança all the time nos faz ver o outro (ou ser visto por ele) como alguém que não erra, não vacila, é incapaz de magoar. Ao tornar-se previsível, esse ser automaticamente não precisa mais ser reconquistado, deixa de exigir investimento. E se isso for amor, tô fora.

Não, isso não é amor. É rotina, acomodação. Enquanto a paixão não se sustenta por muito tempo, um relacionamento acomodado às vezes é pior do que o mais conturbado dos namoros. Será possível, então, encontrar o meio termo entre paixão enlouquecedora e amor morninho?

Sempre tive dúvidas. Hoje eu acredito que seja.
O nome dele? Maturidade.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Última parada: omissão

03.11.08 - por Carol Medeiros
Assisti ao "Última parada: 174", de Bruno Barreto. Saí sem palavras. Um pouco pelo filme, porque nada daquilo é ficção - e em filmes que retratam a violência, mesmo naqueles que não são baseados em histórias reais, nada é muito inventado. Mas fiquei sem palavras mesmo pelo que aconteceu depois do filme.

Sei que sou mais sensível do que a média das pessoas. Mas para mim nada justifica pessoas terem capacidade de sair do cinema sorrindo, brincando. O filme é um soco no estômago! Sei que o incômodo passa logo para a maioria, sei que grande parte se sensibiliza mas não faz nada mesmo. Mas, peraí! Perceber que há quem ache normal tudo aquilo que assistiu na tela, sabendo que há muito mais do lado de fora do cinema, me choca quase tanto quanto a tragédia do ônibus 174.
Não estou dizendo que bandidos são totalmente vítimas da sociedade. Isso é discussão para o restante da vida. Quando eu ou alguém próximo somos vítimas da violência, também me revolto. Me indigno quando vejo “o pessoal dos Diretos Humanos” lutar pela vida de quem comete barbáries. Ok, concordo que tem gente má mesmo, que não têm realmente jeito. Mais porque nosso sistema penitenciário não dá brecha pra alguém se recuperar, do que pela maldade na essência. Mas quando alguém consegue sorrir imediatamente ao fim de um filme como “174”, passo a acreditar que o que irrecuperável mesmo é a nossa sociedade.

Cheguei em casa com vontade, necessidade de desabafar. As palavras me faltavam, até me deparar com um escrito de Yvonne Bezerra de Mello. A artista plástica atuou em defesa das vítimas da chacina da Candelária e, vejam só, recebe ameaças por seu comportamento através de e-mails, cartas, telefonemas raivosos. Nas ruas, escuta desaforos.

Atualmente, Yvonne cuida de 420 crianças no Projeto Uerê (http://www.projetouere.org.br/), no Complexo da Maré. Para ela, “a burguesia não gosta de pobre. Ela é fascista. Acha que criança de favela é bandida. Eu já estou acostumada. Sempre que acontece alguma tragédia na cidade, eu viro alvo dessas pessoas". No relato a seguir, mais do que descrever as perseguições que sofre, a artista plástica evidencia, através do seu desabafo, a crise ética (permanente) em que vive nosso país.

"Em 1993, quando aconteceu a chacina da Candelária, fiquei muito chocada com a reação inesperada de uma parte da cidade do Rio de Janeiro. Só a imprensa e as organizações ligadas aos direitos humanos se indignaram. Houve uma aprovação pública daquele ato indigno, cometido por um dos muitos grupos de extermínio existentes dentro da instituição da Policia Militar do Estado.

Naquela época, tomei posições e me comprometi a trabalhar arduamente para colocar os carrascos na cadeia e defender um melhor atendimento para um grande contingente de crianças perambulando pelas ruas da cidade. A minha atitude de defesa e de acusação da negligência dos governos estadual e, principalmente, do municipal nessa área me trouxe vários problemas.

Fiquei estigmatizada como protetora dos bandidinhos crianças, dos adolescentes marginais, inimiga da sociedade. Cuspiam-me na rua, jogavam ovos no meu carro, me xingavam aonde fosse, projetando em mim todo o ódio que produz a ignorância e a falta de educação cívica de um povo. Dei-me conta de que a sociedade afaga as crianças brancas, finge que tolera as negras, abomina a pobreza, a favela e pouco faz para mudar o Brasil oriundo da “Casa Grande e Senzala” que ainda lhe serve.

O tempo foi passando e eu continuei comprometida com a minha luta e meu ideal de um Brasil mais justo e mais igualitário, não só no poder de compra da população, mas também na capacidade intelectual, que é uma das mais díspares do mundo entre classes sociais. Fundei o Projeto Uerê debaixo de um viaduto da cidade e desenvolvi uma metodologia especializada em crianças e jovens com traumas constantes devido à violência e com problemas de aprendizado. Quando a metodologia começou a ser conhecida e reconhecida com resultados positivos expressivos, outra vez as cartas, os emails, os xingamentos. Como eu podia ousar em insistir na educação igualitária para miseráveis? Eu queria que o Brasil fosse a Suécia? Como eu podia pretender que uma criança de favela pudesse ter a mesma performance escolar de uma dos colégios da elite?

Outra vez o estigma de louca, visionária, traidora da classe. Até aí eu agüentava as críticas e ia levando a minha vida. Com a violência aumentando nessa última década a níveis insuportáveis, eu até compreendo a revolta pelo cerceamento de liberdade no ir e vir das pessoas e das famílias no seu dia-a-dia. O que eu não entendo é que a culpa dos níveis de violência na cidade sempre recaia sobre os pobres e nunca sobre uma elite que compactua, sim, com a corrupção, com a tolerância ao ilegal, com a impunidade e com um grande desrespeito às leis. O dinheiro pode tudo!

E eu, para muitos, sou uma das causas dessa violência. Quando acontece um assassinato na cidade cometido por um menor de idade, imediatamente o associam a mim. Assim aconteceu na morte do João Hélio e de muitos outros. As ameaças me chegam por todas as vias de comunicação. Todas me culpando porque sou eu que educo os marginais, que os faço pensar, ter lógica para que matem mais.

É incrível. Mas a realidade é que me culpam por esses assassinatos. Quando acontecem, eu mudo minha vida. Não saio de casa, evito vida social e me fecho num casulo com medo da incompreensão e sem saber como lidar com isso. Em maio desse ano as ameaças foram tantas que tive que pedir proteção da polícia.

Recentemente, cerca de dois meses atrás, quando a violência nas favelas se
intensificou, eu fui levar minha mãe de 93 anos para jantar num restaurante do Leblon. Na mesa ao lado havia uma família com avós, filhos e netos. Quando chegamos, a avó disse aos netos pequenos, de uns 8 ou 9 anos: “essa aí é aquela louca que protege bandidos”. Eu fiquei com vergonha por ela, por ensinar aos seus netos a serem brasileiros alienados dos problemas sociais do país.

Quando o Bruno Barreto me procurou para dar uma consultoria sobre o roteiro do filme “Última parada: 174”, que conta a história de um menino que vivia na minha época na Candelária e no qual a Ana Cotrim faz o meu papel, eu disse a ele: “Bruno, tenho que me preparar porque a minha vida vai ficar difícil de novo depois desse filme”. E não deu outra.

Faz uma semana que a violência das ameaças começou pela primeira vez a me preocupar, pelo teor assassino das mesmas. As pessoas ficaram mais odientas contra as classes populares, mais conservadoras e fascistas perante a falta de operacionalidade dos governos na área da segurança pública. Quando leio que cerca de 500 cidades brasileiras vão necessitar das forças armadas para garantir as eleições, sinto que as instituições democráticas desse país estão abaladas. E a culpa recai de novo sobre o povão oprimido pelo tráfico de drogas que só existe porque existe corrupção, pelas milícias das policias, pelo consumismo de drogas das classes mais abastadas e pela péssima representatividade política. E uma parte recai sobre mim, que faço o meu papel de cidadã e de brasileira consciente.

Se algo acontecer comigo seria lastimável, porque eu sou uma de muitos que ainda acredita que esse país pode ser mudado pelas idéias, e não pela força bruta". (Yvonne Bezerra de Mello)