quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O melhor amigo da mulher


25.09.08 - por Carol Medeiros

Quando era mais nova, ela pensava que o amor era parecido com o que via nos filmes e nas novelas. Mesmo assim, seu maior sonho nunca foi se casar. Até gostaria de ser mãe e se imaginava vestida de noiva, mas a idéia de se predispor a ficar para sempre com a mesma pessoa não lhe atraía.

Na juventude, conheceu muitos rapazes e namorou bastante, mas adorava o que a vida de solteira lhe proporcionava. As amigas discutiam sobre quão difícil era encontrar homens que quisessem algo sério. Ela encontrou muitos. Os homens não prestam? Ora, ela achava que prestavam. Caráter? A maioria deles tinha de sobra. Respeito por ela? Todos lhe estendiam tapete vermelho. Fidelidade? Existiu, até onde era de seu conhecimento. Mas também não tinha opinião completamente formada sobre a relevância do assunto.

Tinha certa facilidade para manter relacionamentos. Não que seu gênio fosse fácil, mas era divertida, companheira, mulher. E enquanto as amigas achavam namoro complicado, para ela, era simples: se está a fim, fica junto. Se não, pula fora. Pensando assim, abominava a traição, da mesma forma que a maioria dos seres humanos – até os que traem – abomina. Se um dos dois não estava satisfeito na relação, tinha a opção de terminar, em vez de continuar e ser infiel. Ou não?

Mas não foram raras as vezes em que comprovou que traições acabavam por reacender a chama da paixão de um casal que não havia se mexido para impedir que a vida a dois caísse na rotina. Tinha suas dúvidas se não havia outro modo de esquentar a relação. Além disso, rotina também podia ser algo bom. A raposa do Saint-Exupéry* já dizia que “é preciso ritos”.

Todas as vezes em que abandonou ou foi abandonada não lhe fizeram perder a crença de que uma relação poderia dar certo. Chegou a achar que tinha encontrado o homem da sua vida, mas terminou com ele porque achou que era jovem demais para encontrar o homem da sua vida. Tinha muito que aproveitar e não estava certa se todos os seus planos o incluiriam.

Sua autoconfiança nunca lhe permitiu cogitar que não conquistaria quem quisesse. Um dia, claro, não foi assim. Nesse dia, e em vários outros que se seguiram, ela chorou, chorou, chorou. E jurou que nunca mais ia se entregar daquele jeito.

Reencontrou-se por acaso com uma antiga paixão. Tinham vivido tórridos momentos juntos, mas ela não balançou dessa vez. Mesmo assim, ela não estava fazendo nada, ele também não, e se beijaram. Ele tinha namorada. Que m...!, pensaria a maioria. “Graças a Deus”, pensou ela, aliviada porque o status de relacionamento dele provavelmente tornaria inviável qualquer vínculo com ela a partir daquele momento.

O alívio não a impediu de julgar, não a si, mas a situação, ainda que momentaneamente. Era inevitável não pensar que um cara que não respeita a namorada, supostamente alguém de quem ele gosta, não deve ser capaz de respeitar muitas outras coisas. Óbvio que ela não ia pagar pra ver. Mas o encanto ali se quebrou. O mundo estava perdido! Não era mais possível confiar nas pessoas.

E foi aí que aconteceu. Depois de tantos relacionamentos, tantas farras e tantos amores, ela começou a repensar seu modo de encarar a vida a dois. Costumava achar que relacionamentos que não têm paixão não lhe serviam, mas nunca tinha pensado que paixão acaba mesmo, e que isso não necessariamente transforma uma relação em monótona, desde que a sedução seja ininterrupta, como uma vez lhe disseram.

As loucas paixões que tinha vivido eram só isso mesmo – loucas. Faziam-na sentir coisas das quais ela bem se lembrava, afinal, intensidade era seu forte, mas definitivamente eram sensações incapazes de se sustentar. Havia um meio-termo em relacionamentos? Era possível amar, respeitar, querer ficar junto, mesmo após a paixão ter se transformado em algo mais pacato? E mais do que isso, achar que esse novo sentimento era suficiente?

Sempre pensou que esse mar calmo não era onde preferia pescar. Dia desses, tinham dito na TV que “a Terra gira, e quem não tem fôlego para acompanhar, enjoa”. Tinha adorado aquela frase do mesmo jeito que tinha enjoado diversas vezes na vida, achando que seus relacionamentos já não lhe apresentavam nenhuma novidade.

Teriam caído na rotina? Hoje ela percebe que não. Talvez viver a dois fosse assim mesmo. Escolher todos os dias estar com a mesma pessoa. Ter coragem de assumir riscos e terminar a relação quando ela ou ele não forem mais os escolhidos, em vez de trair. Não julgar a infidelidade alheia, mas não fazer concessões sobre lealdade.

“Não dá pra viver uma paixão intensa pro resto da vida”, concluiu, mas talvez dê pra conquistar um ao outro dia após dia. “Isso dá muito trabalho”, ela pensou. Então, tomou sua decisão. Atravessou a rua e comprou um cachorro.
* NOTA DA AUTORA: nunca leu "O pequeno príncipe"? Não sabe o que está perdendo.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Miss Perfeitinha

16.09.08 - por Carol Medeiros

Tinha acabado de desligar o telefone. Falava com ele, o ser a quem tanto amou e a quem evitava desde o rompimento. A pessoa a quem ainda temia amar. Desde a separação ela tentava não encontrá-lo, não atendia seus telefonemas, mas no fundo, torcia pra que ele não sumisse assim, tão repentinamente. Sempre soube que ter notícias dele era mexer em ferida não-cicatrizada, mas o tempo, ela estava certa disso, ajudaria a curar.

O tempo passou, não muito, mas o suficiente pra que ela percebesse que ele não estava colaborando, não dessa vez. A dor, que deveria diminuir a cada dia, de acordo com a lógica dos pés na bunda, permanecia a mesma do dia do rompimento. Por vezes, chegava a ter a sensação de que era toda tomada por aquele sentimento sem nome, de tal forma que chegou a se questionar se um dia sorriria novamente.
Nem ela sabia o que lhe causava tamanha dor. O relacionamento havia sido intenso, o rompimento foi brusco, ficaram algumas mágoas. Mas nunca tivera dificuldade para se desapegar do passado, para superar um término. Retomar sua rotina sem rotina e conviver com lugares por onde andaram juntos, destinos pra onde planejaram viajar, filmes que pensaram em assistir, tudo isso agora sozinha, não era algo que a amedrontasse. Ela sabia que podia sobreviver. Definitivamente, não era a parte mais difícil.
O sexo não era lá essas maravilhas. O beijo, que dizem que é o que faz a gente se apaixonar, não encaixava assim tão perfeitamente. O papo, esse sim, era irresistivelmente sedutor. Que a desculpassem os burros, mas inteligência lhe era fundamental.
Do que sentia falta, então? Nem ela sabia dizer. Não dava nem pra cogitar ser falta da convivência diária, pôr a culpa no hábito de estar juntos, de contar as novidades. Nunca chegaram a ter isso, porque até pra brigar decentemente é preciso viver um relacionamento por inteiro, namorar no sentido pleno da palavra, se entregar.
Ela se manteve distante para não mexer na ferida, mas percebendo que a ferida não cicatrizava, talvez estivesse na hora de tentar outro caminho, pensou. E pensando sem pensar muito, pegou o telefone. E discou o número dele sem pestanejar nem recorrer a nada que não sua memória. Tinha certeza de que havia tomado a decisão certa, ao menos a certa para aquele momento.
Ao fim da ligação, sentiu-se aliviada. Uma hora e 29 minutos foram mais significativos para começar a entender o que se passava com ela do que todo aquele tempo de sofrimento, ou talvez ambos se somassem - concluiu sem se importar muito com explicações desta vez.
Sem saber o porquê nem do que continua sentindo falta, pensou que talvez pudesse ter mais saudades do que não viveu do que do que tinha vivido com ele até então. Ainda mais não tendo sido opção sua, logo ela, linda, inteligente, cansada de ouvir frases como “você pode ter o homem que quiser”. Não, ela não podia!, concluiu no dia em que ele sinalizou que não queria mais. E, por algum motivo, deixar de ser a perfeitinha, que tem ou pode ter tudo o que deseja, parecia lhe afetar mais do que o fato em si de não ter o homem que queria.
Talvez já nem o quisesse tanto, ela hesitou em acreditar. E percebeu que, em vez de desejar que ele a amasse loucamente e que vivessem felizes para sempre, lhe agradava mais a idéia de ele implorando por seu amor, e ela exercitando seu ar de desprezo. Mas isso a faria sentir-se poderosa novamente?
Aí, lembrou-se de que todas as vezes em, contra tudo e contra todos, tomou decisões em sua vida, confiando apenas na sua percepção do que valia ou não a pena. Não foram tantas vezes assim, mas o suficiente para lembrar a ela da força que tinha, de seu poder de decisão – se não em todas as situações, pelo menos em relação ao que fazer de sua vida.
E foi assim, depois de confrontar seu maior medo naquele momento e pegar o telefone, que ela se deu conta de que não precisava que ninguém validasse seu poder de decisão. Não precisava que o outro a quisesse, e ela não mais a ele, pra se sentir poderosa. Ela era, e pronto. E assim ela se libertou. Não dele nem do relacionamento que acabou, mas da idéia de ter que ser perfeita.
Um dia, um paquera disse a ela: “você é bonita, inteligente, marombeira e ainda gosta de futebol. Parece ser a mulher ideal!”. Horrorizada, ela respondeu: Deus me livre!

E disse Danuza Leão

16.09.08

Alguns passam pela vida - feliz ou infelizmente – sem conhecer a paixão.
Quando ela se anuncia, há um momento em que ainda é possível recuar,
mas quem se deixa levar deve saber que é um precipício onde vai ter que se atirar de olhos fechados,

seja para o que for.
Depois é o abismo, onde não pode existir nem passado nem futuro,
nem mesmo a vida.
E é por isso que um dia a paixão acaba

- para um dos dois.
É quando um deles se dá conta de que para viver uma paixão é preciso abrir mão de tudo

para que ela possa continuar existindo.
Pobre de quem não viveu uma paixão,
pobre de quem viveu.
Pobre de quem sucumbiu a uma paixão,
pobre de quem sobreviveu a ela.
Porque quem sobreviveu fez a mais difícil das escolhas.
Entre a paixão e a vida,

preferiu a vida e nunca vai saber se fez a escolha certa:
afinal, a paixão só acontece uma vez,

quando acontece.
E nunca mais.

[Danuza Leão]

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

No jogo da vida, quem dá as cartas?

04.09.08 - por Carol Medeiros

Em meu último texto, escrevi sobre saudades. Por uma ironia do destino, dessas que ninguém explica, logo depois recebi uma notícia que me deixou estarrecida e que, infelizmente, está longe de ser um fato isolado no meu círculo de amigos. Um ex-colega de escola, não muito próximo, mas a quem eu queria bem, faleceu. Além da tristeza pela perda, o que mais me choca nessas horas é ver esfregado na minha cara, sem a menor cerimônia e da pior forma possível, o quanto a vida é banal. De fato, pra morrer, basta estar vivo.

Na semana passada, encontrei com um amigo em uma boate. No dia seguinte, soube que ele havia batido de carro, e que quando saiu do veículo pra posicionar o triângulo de sinalização, foi atropelado. Sofreu algumas fraturas graves, ainda está internado, mas a morte está tão escancarada na nossa frente que o fato de ele estar vivo faz com que eu respire aliviada e diga que “não aconteceu nada com ele”.

Eis que uma semana após o acidente, este outro conhecido, dos tempos de colégio, voltava do aniversário de um amigo nosso. Não sei exatamente como, até porque não tenho a menor inclinação para detalhes sórdidos e mórbidos, mas o fato (lamentável) é que, após bater de carro, ele teria parado em um posto de gasolina e também acabou sendo atropelado. O motorista fugiu, e infelizmente esse camarada não teve a mesma sorte do meu outro amigo, e não está mais entre nós.

Ainda em choque, comentei com uma amiga sobre como pessoas boas têm partido de forma boçal. Essa amiga trabalhou com a sócia da grife Bisi, que faleceu há poucos dias, logo após o parto de sua filha. A morte dela tem sido amplamente noticiada pelos jornais, mas a dor de quem a amava certamente jamais será fielmente retratada. Reproduzo aqui as palavras da minha amiga: “Carol, aquela mulher... não podia ter acontecido aquilo... ela estava louca pra ter aquela menina. Uma semana antes de dar à luz, ela comentou que não precisava de mais nada na vida, que estava completa”. Esse mundo é louco mesmo.

Em seguida, minha querida amiga disse que apesar de não ver a morte como uma coisa ruim, fica triste porque “ela tira pessoas boas de um mundo com tanta gente ruim”. Ela tem razão, mas como eu não tenho opinião formada sobre a morte (e acho que nunca vou ter), hoje não sei o que pensar nem o que escrever. Pouco me importa encadear palavras. A verdade é que me sinto um pouco perdida.

Já perdi muitos amigos em acidentes de carro e sempre via a história se repetir. Em busca de algo que lhes confortasse, familiares e amigos tentavam justificar a perda com “desculpas” para a fatalidade. Claro que sempre havia quem, até numa hora dessas, soltasse o veneno. De um jeito ou de outro, era um festival de “os jovens de hoje são imprudentes”, “lógico que o motorista estava bêbado”, “culpados são os pais que deram um carro potente” etc, todas tentativas frustradas de obter explicação para o inexplicável.

E agora, de quem é a culpa? Já pararam pra pensar na bizarrice da situação? Bateu com o carro, mas podia ter sido pior. Sempre pode, não é mesmo? Sai do carro e é atropelado. Como sempre “podia ter sido pior”, você morre! Complexo e simples assim. E o indivíduo (é humano? Será mesmo?) ainda foge. Não presta socorro nem responde criminalmente, e sou capaz de apostar que ainda dorme à noite. Que mundo é esse?

Perdi as contas de quantas vezes reprimi algum amigo que não tinha condições de dirigir e o fez, “bancando a chata”. Normalmente, nesses casos, não vale o “quem avisa, amigo é”. Todo mundo se acha super-herói, sou testemunha de que às vezes achamos mesmo que “com a gente não acontece”. Lego engano.

Aconteceu com os rapazes, todos da mesma turma, que estudavam no meu colégio e morreram num mesmo acidente, quando eu tinha uns 16 anos. Aconteceu com a amiga que dirigia o carro onde estava a minha melhor amiga, que por pouco não se foi junto com ela, e só eu sei como sofri assistindo, de perto, à sua recuperação física e emocional. Aconteceu com amigos do meu irmão, com amigos dos meus amigos, com amigos de quem agora lê esse texto. É quase impossível achar alguém com 20 e poucos anos que não tenha perdido um amigo.

Nessas horas, vemos que pode acontecer com qualquer um. Até – admire-se! – comigo e com você. O problema é que até então, embora muitos não parecessem se preocupar de verdade com isso, parecia que “bastava” ter responsabilidade, não dirigir depois de beber, ser prudente no volante. Agora está fora do nosso alcance, se é que em algum dia esteve sob nosso controle.

Recentemente, dois casos me chocaram. Em ambos, jovens médicos, coincidentemente recém-casados, e com indícios de um futuro brilhante, se descobriram portadores de doenças que podem lhes custar a vida. Sou leiga no assunto e não dizer o que cada um tem, mas posso afirmar que nos dois casos a vida se mostra fugaz e por um fio, que ninguém é capaz de enxergar com nitidez onde está para segurá-lo e impedir que seja cortado.

Situações assim sempre me fazem refletir absurdamente. Não vou dar uma de Poliana e dizer que devemos perdoar tudo e todos, não dando importância à perda do emprego, à traição do namorado ou à briga com os pais. Tudo bem que “sempre podia ser pior”, mas cada problema tem seu tamanho e ninguém tem o direito de minimizar o que te chateia. O grande problema – e não é raro - está em permitir que coisas ruins, porém não catastróficas, tomem proporções gigantescas em nossas vidas.

Então, a tristeza se acomoda na gente. Mesmo sem perceber, às vezes usamos os problemas como argumento pro marasmo em que nos permitimos ficar. É o velho papo, embora em outro contexto, de procurar justificativa pros acontecimentos da vida. Soa familiar?

Não serei hipócrita em dizer que amanhã vou relevar o que meus desafetos (inimigos creio que não tenho) me fizeram, porque não vou, não. E tenho o direito de não querer fazê-lo. Apesar disso, vou tentar não deixar que isso me consuma, que tome tempo dos meus pensamentos e energia da minha vida. Não sei o dia de amanhã, porque desconheço quem dá as cartas. Só sei que tem alguma coisa muito esquisita acontecendo nesse mundo. Vida louca, vida, vida breve. Enquanto essa sensação de vazio e de impotência não passa, vou ser feliz e já volto.