segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Sobre confiar - e dar confiança

por Maria Carolina Medeiros

Um confia. O outro dá confiança. A gente vive pra confiar ou confia pra viver? A amiga conta:

“Você não sabe da última que fez com que a gente brigasse. A história começou em maio, num sábado em que o celular dele estava na minha bolsa e fui pegar pra ver que horas eram. Ao ver uma chamada perdida, verifiquei que uma tal de Raquel tinha ligado pra ele. Avisei-o, sem desconfiança, e ele disse que não conhecia nenhuma Raquel. Em seguida, se “lembrou” que devia ser uma mulher que trabalhava com ele. Sugeri que retornasse, afinal, podia então ser alguma coisa relacionada ao trabalho. Ele não quis de jeito nenhum. E ainda disse que não o interessava saber o que ela poderia querer com ele num sábado à tarde”.

Se não era nada de trabalho e não interessava a ele nenhum assunto pessoal com a dita cuja, porque cargas d´água tinha dado o telefone? A namorada insistiu, mas ele não retornou a ligação. É lógico que ela ficou grilada.

Daniela confiava no namorado. Se parasse pra pensar com a cabeça, não achava mesmo que ele tinha um caso com a tal da Raquel. A questão que assolava seus pensamentos, e o da maioria das pessoas, é recorrente: o problema é a mentira! A mentira, quando descoberta, nos faz questionar o porquê de ela ter existido. Não era mais fácil falar logo a verdade, se não havia nada a esconder? A mentira planta, literalmente, coisas na nossa cabeça.

Antes deste, Dani teve um namorado na época da faculdade. Ela cursava Engenharia, e ele, Arquitetura. Todo mundo sabe que o curso que Dani escolheu tinha, em sua maioria, alunos homens. Na turma do namorado, a proporção era inversa. Nada de mais até então. Como se tratava de uma universidade mista, era óbvio que Dani conviveria com homens, enquanto seu namorado, invariavelmente, faria trabalhos de grupo e copiaria matérias de aulas perdidas com mulheres. Isso não significava, necessariamente, que ele iria traí-la.

Dani convivia com homens o tempo todo e sabia que isso não mudava em nada seu amor pelo namorado, então porque achar que ele seria facilmente seduzido só porque convivia com muitas mulheres? Ela confiava no seu taco. Ocorre que o namorado tinha a péssima mania de dizer que não tinha nenhuma colega de classe, que não convivia com NENHUMA mulher. Como poderia? Nem se quisesse! Mas pra evitar qualquer tipo de desconfiança, optava por dizer que sequer sabia os nomes das estudantes.

O grande problema, criado pelo próprio, era a mentira. O namorado contava histórias de faculdade pra Dani como se não houvesse mulheres próximas a ele. Aí, iam a um aniversário, davam de cara com um monte de mulheres que não só sabiam bem o nome do namorado da Dani, como também pareciam ter bastante intimidade com ele. Aí, lógico que Dani se revoltava, e o namorado dizia não entender o por que. Defendia-se dizendo que as mulheres que o cumprimentavam eram sempre malucas, sem noção, e ele, coitado, nunca sabia por que elas o tratavam como se ele desse confiança pra isso. As mulheres sempre são as malucas da história. Os homens, os inocentes. O inverso também acontece, existe muita mulher duvidosa por aí. Sem divisão por gênero, então, pergunto: por que as pessoas têm dificuldade em falar a verdade e acham mais fácil esconder detalhezinhos que fazem toda a diferença?

A fim de evitar um possível grilo da namorada, caso soubesse que ele ficava até tarde cercado por mulheres fazendo trabalhos de faculdade, o namorado da Dani omitia esse fato. Quando encontrava as colegas de classe, a intimidade demonstrada era confrontada com o que ele dizia pra namorada.

Dani talvez nem se importasse, nem achasse os cumprimentos das amigas do namorado exagerados, se soubesse previamente de sua existência, se encontrasse uma explicação pra aquilo. O problema era a mentira, elaborada supostamente para que não brigassem. E o que acontecia nesses aniversários? Além de brigarem, a desconfiança começava a pairar no ar a partir dali. E desconfiança é um inferno pra quem sente e pra quem é perseguido.

Dani, a amiga da história, ficou com a pulga atrás da orelha porque o namorado não quis retornar a ligação de uma colega de trabalho com quem ele supostamente não tinha a menor intimidade. Ele podia ter simplificado tudo, mas a primeira mentirinha “inocente” detona o restante em que ela poderia vir a acreditar.

Homens adoram justificar situações assim dizendo que as mulheres com quem eles convivem não têm noção, são inconvenientes e vêem intimidade mesmo sem que eles dêem abertura. Existem mais mulheres sem noção no mundo ou mais homens mentirosos? Como acreditar nessa justificativa depois de uma mentirinha aparentemente boba?

Já aconteceu com todo mundo. Pessoas loucas podem surgir do nada. Amigos que até então eram amigos mesmo surtam e resolvem dar em cima de você, provocando uma saia justa inesperada sem tamanho. Pessoas pra quem não damos liberdade de nada podem resolver se fazer de íntimas. Acontece mesmo. O anormal é acontecer com frequência, porque aí tem alguém que não está sabendo cortar como deveria.

Uma vez eu li que a gente confia nas pessoas não necessariamente porque sejam merecedoras, mas porque precisamos disso para tocar a vida. Viver e desconfiar são verbos que não se misturam! Neste mundo louco mundo, ainda há em quem se possa confiar? Espero que sim, e é isso que me dá esperanças! É preciso confiar para amar. É preciso amar para viver.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O espaço alheio

por Maria Carolina Medeiros

Estou numa fase de refletir tanto que uma simples ida ao supermercado me faz pensar sobre a vida e as pessoas. E hoje, em meio às tentativas de escolher as melhores frutas e verduras, e tendo de me virar pra passar com o meu carrinho no meio de outros que atravancavam meu caminho, me dei conta da dificuldade que as pessoas têm de respeitar o espaço alheio.

Enquanto eu praticamente traçava uma estratégia logística para chegar a cada seção que eu queria, deixando ora o meu carrinho encostado no balcão, ora no cantinho, mas nunca largado no meio do corredor, as pessoas caminhavam displicentemente, deixando suas compras atrapalharem, sem o menor pudor, qualquer um que estivesse lá pelo mesmo motivo.

Tá bom, sei que pra muita gente ir ao supermercado é terapia, quase um momento de lazer, curtido com tranqüilidade. Embora não seja o meu perfil, eu compreendo – e viva a diferença! Mas o fato de ser um hobby para alguns, sinceramente, não justifica em nada a falta de educação. Sem o menor constrangimento, o tempo todo pessoas desrespeitam o espaço do outro em locais onde, supostamente, devemos conviver civilizadamente.

É claro que nem de longe isso acontece só em supermercados. No cinema, canso de sentar engolindo a tela, ou mesmo desisto de ver um filme, porque mesmo tendo lugares vazios mais pra trás, acabam separados por casaizinhos sem noção, que deixam uma poltrona vazia de cada lado e, com esse gesto, impedem outros casais, ou duplas, ou quem quer que seja que não vá sozinho, de se sentar juntos.

Em dias de sol, seres desprivilegiados de educação lotam as praias sentando-se a esmo. Considerar que se chegassem um pouco pro lado, caberia mais alguém? Ah, é pedir demais. Estacionar na delimitação da vaga pra que seu vizinho também possa parar o carro? Ah, fala sério.

Ampliando a discussão, há também o limite nos relacionamentos (adoro). Respeitar e não invadir o espaço do companheiro é bem difícil de pôr em prática, mas precisa existir. Fuxicar o celular em busca de pistas sobre o que o outro faz quando não está com você, vigiar orkut, querer controlar emails, tudo isso é falta de respeito, não só em relação ao espaço alheio, mas também em relação ao parceiro.

Todos temos uma vida que não inclui somente a pessoa que amamos: existem amigos, trabalho, família. E quando o outro quer centralizar tudo nele, no fundo (sem se dar conta), está cavando a cova da relação: acabamos por deixar de ser a pessoa por quem ele se apaixonou. Não caia nessa. Se você mudar, ele vai se desinteressar sem nem saber por que.

Não respeitar o espaço alheio, seja físico ou emocional, é sempre muito tentador. Respeitar dá trabalho. Mas quem falou que ia ser fácil?

domingo, 9 de agosto de 2009

Ao lado

por Maria Carolina Medeiros

Todo mundo enaltece a importância das mães na vida dos filhos. São elas que nos carregam por nove meses na barriga, que sentem dores, que dão à luz, apenas pra citar o mínimo. Homenageá-las, portanto, é mais do que justo. Ocorre que, ao ressaltar a importância das mães, às vezes o pai vira coadjuvante nas histórias sobre pais e filhos. Acontece, mas não com o meu pai.

Não sei se existem menos pais do que mães “merecedores” de textos, declarações, poemas. Talvez poucos pais saibam se colocar como atores principais na vida que seus filhos protagonizam. Acontece, mas não com o meu pai.

Eis então que abandono minha ideia inicial de escrever um texto em homenagem a todos os pais do mundo, neste Dia dos Pais. Impossível, só sei falar sobre o meu pai! E apesar de as histórias dele e sobre ele renderem facilmente um livro, como é difícil escrever sobre quem a gente ama! Há 25 anos somos tão próximos, mas há tanto sobre mim que ele não sabe... ou pensa que sabe... vai ver sabe mesmo, e eu é que me acho o máximo, crente que estou contando alguma novidade!...

O livro sobre minha relação com meu pai vem sendo escrito há 25 anos. Tenho poucas certezas na vida, mas uma delas é que eu nunca vou conseguir terminá-lo. A importância dele na minha vida nunca vai caber em um número limitado de palavras.

Neste dia em que ficou combinado que é o Dia dos Pais, queria escrever um texto perfeito para homenagear o meu pai quase perfeito. Só que nem o texto, nem a relação entre pais e filhos, tampouco a vida são perfeitos. Pensei em usar meu amor por ele como base para homenagear todos os pais do mundo. Mas não dá para usá-lo como amostragem para nada, porque ele, definitivamente, é único e inigualável.

Desisti, portanto, de buscar definições, explicações, teorias. Todas as minhas tentativas de definir sentimento seriam frustradas, porque sentimento é assim: a gente sente e pronto, não tem bem o que explicar. Passei 25 anos tentando encontrar explicações para esta relação. É o apoio que ele me dá? O abraço apertado que faz tudo passar? É a linguagem alinhada, que faz com que ele me entenda com poucas palavras? A admiração? A amizade?

Hoje eu descobri a razão: é ele. É o que ele é. O meu pai. O maior amor do mundo.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O quereres

por Maria Carolina Medeiros

Tem uma frase, atribuída ao filósofo Aristóteles (tenho dúvidas se é dele, de fato – sempre duvide do que você lê na internet, conselho de blogueira) que diz: "felicidade é ter o que fazer, ter algo que amar e algo que esperar”.

Faz (algum) sentido.

Ter o que fazer... já diziam todas as avós do mundo, mente vazia, oficina do diabo.
Ter o que amar... porque sem amor, não se vive! Nem precisa ser “a quem” amar... pode ser amar uma coisa, um animalzinho de estimação, os pais, os amigos, o trabalho... algo pelo qual valha realmente a pena viver!
Ter algo o que esperar... porque se tudo nos bastar, é porque nada basta de verdade.

Vivemos sempre esperando algo acontecer, e se não fosse assim, ficaria muito sem graça. Quando a gente não espera algo na vida, nada está muito ruim, mas também não fica muito bom nunca. Não sofremos, não há decepção porque o esperado não aconteceu, mas o coitado do sujeito não experimenta nunca a deliciosa sensação de alcançar algo que queira muito.

Eu odeio viver no meio termo. Preciso sempre inventar algo novo para esperar. Pode ser coisa de aquariana, mas não sei ser feliz pela metade!

Tenho plena consciência de que não dá para ter tudo ao mesmo tempo. Quando se está feliz no amor, as coisas podem degringolar no lado profissional. Quando se tem dinheiro, não há tempo para gastá-lo. Podem não faltar amigos, mas aqueles que se quer bem perto estão distantes.

Mesmo assim, preciso almejar sempre, querer mais, querer melhor. Viver. Viver de quereres, de amores, de prazeres. De decepções. De sofrer. Mas viver.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Inversão da privacidade

por Maria Carolina Medeiros

O telefone toca sem parar. Eu não quero atender. Não sei quem é, quem me invade assim, a qualquer hora, sem que eu tenha dado permissão. Quando foi que o celular virou ponte para quem quer invadir a privacidade alheia?

Teve uma fase na minha vida em que eu simplesmente adorava telefone. Antes de inventarem o sem fio, na minha casa tinha duas linhas e umas 3 ou 4 extensões para cada uma delas – o que significava quase 10 aparelhos de telefone no mesmo apartamento. Era um acontecimento juntar as amigas em casa, ligar para o namoradinho (inho mesmo, éramos crianças) de uma, enquanto as outras ouviam a conversa e depois opinavam sobre cada palavra dita. As divagações a respeito de “o que ele quis dizer com aquilo?” eram inúmeras e divertidíssimas (agora, porque na época deviam ser meio cruéis).

Quando surgiu o telefone sem fio, a possibilidade de falar andando pela casa reduziu a necessidade de ter vários aparelhos. Supostamente, haveria também mais privacidade, pois o que antes precisava ser conversado na sala onde o telefone ficava, agora poderia ser dito em qualquer cômodo da casa.

Nessa época em que telefone celular nem existia, quando queríamos falar com alguém, ligávamos pra casa. Só assim podíamos localizar as pessoas. De um modo ou de outro, os pais acabavam sempre sabendo quem eram os amigos dos filhos, nem que fosse só de nome, porque “fulana liga o dia todo pra cá”. Pais superprotetores podiam até fingir que o filho não estava em casa, sabendo que quem estava do outro lado da linha era um amigo baladeiro. Parecia invasão de privacidade... porque não sabíamos o que estava por vir com o celular.

O celular podia ter surgido para tornar a vida das pessoas realmente privada. O número, em princípio, era dado apenas para aqueles que a gente realmente queria que nos encontrassem em qualquer lugar, a qualquer hora. Era um passe livre para que os íntimos estivessem em tempo integral na nossa vida.

Não sei exatamente quando essa privacidade se perdeu. Sei que hoje damos o número do celular até para quem não queremos atender, porque não dá nem para inventar que você não tem um aparelho: todos têm. Aliás, tem quem não tenha nem telefone em casa, só celular. Virou Casa da mãe Joana: operadores de telemarketing, vendedores, desde amigos até pessoas das quais você nem se lembra do nome direito – todos têm seu número. E ai de você se não estiver disponível, pronto para ser encontrado a qualquer momento.

Se antes tínhamos o limite das dez da noite pra ligar pra casa de alguém, hoje podemos ligar no celular praticamente a qualquer hora. E mesmo quando eu tenho o número de casa, raramente esta é minha primeira opção: ligo sempre pro celular. Se a pessoa não atendeu, é porque não pode falar. E se não pôde ser encontrada no celular, provavelmente não está disponível e não será encontrada em casa, nem adianta tentar.

Ter o telefone da casa de alguém virou privilégio para poucos. Invasão de privacidade hoje é ligar para a casa de quem você não tenha muita intimidade. Vai que a mãe daquele seu ficante atende e descobre a sua existência?! Ter o telefone de casa nos dias de hoje é como entrar de verdade na vida do outro. Isso sim é ultrapassar a barreira da intimidade.