segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Inversão da privacidade

por Maria Carolina Medeiros

O telefone toca sem parar. Eu não quero atender. Não sei quem é, quem me invade assim, a qualquer hora, sem que eu tenha dado permissão. Quando foi que o celular virou ponte para quem quer invadir a privacidade alheia?

Teve uma fase na minha vida em que eu simplesmente adorava telefone. Antes de inventarem o sem fio, na minha casa tinha duas linhas e umas 3 ou 4 extensões para cada uma delas – o que significava quase 10 aparelhos de telefone no mesmo apartamento. Era um acontecimento juntar as amigas em casa, ligar para o namoradinho (inho mesmo, éramos crianças) de uma, enquanto as outras ouviam a conversa e depois opinavam sobre cada palavra dita. As divagações a respeito de “o que ele quis dizer com aquilo?” eram inúmeras e divertidíssimas (agora, porque na época deviam ser meio cruéis).

Quando surgiu o telefone sem fio, a possibilidade de falar andando pela casa reduziu a necessidade de ter vários aparelhos. Supostamente, haveria também mais privacidade, pois o que antes precisava ser conversado na sala onde o telefone ficava, agora poderia ser dito em qualquer cômodo da casa.

Nessa época em que telefone celular nem existia, quando queríamos falar com alguém, ligávamos pra casa. Só assim podíamos localizar as pessoas. De um modo ou de outro, os pais acabavam sempre sabendo quem eram os amigos dos filhos, nem que fosse só de nome, porque “fulana liga o dia todo pra cá”. Pais superprotetores podiam até fingir que o filho não estava em casa, sabendo que quem estava do outro lado da linha era um amigo baladeiro. Parecia invasão de privacidade... porque não sabíamos o que estava por vir com o celular.

O celular podia ter surgido para tornar a vida das pessoas realmente privada. O número, em princípio, era dado apenas para aqueles que a gente realmente queria que nos encontrassem em qualquer lugar, a qualquer hora. Era um passe livre para que os íntimos estivessem em tempo integral na nossa vida.

Não sei exatamente quando essa privacidade se perdeu. Sei que hoje damos o número do celular até para quem não queremos atender, porque não dá nem para inventar que você não tem um aparelho: todos têm. Aliás, tem quem não tenha nem telefone em casa, só celular. Virou Casa da mãe Joana: operadores de telemarketing, vendedores, desde amigos até pessoas das quais você nem se lembra do nome direito – todos têm seu número. E ai de você se não estiver disponível, pronto para ser encontrado a qualquer momento.

Se antes tínhamos o limite das dez da noite pra ligar pra casa de alguém, hoje podemos ligar no celular praticamente a qualquer hora. E mesmo quando eu tenho o número de casa, raramente esta é minha primeira opção: ligo sempre pro celular. Se a pessoa não atendeu, é porque não pode falar. E se não pôde ser encontrada no celular, provavelmente não está disponível e não será encontrada em casa, nem adianta tentar.

Ter o telefone da casa de alguém virou privilégio para poucos. Invasão de privacidade hoje é ligar para a casa de quem você não tenha muita intimidade. Vai que a mãe daquele seu ficante atende e descobre a sua existência?! Ter o telefone de casa nos dias de hoje é como entrar de verdade na vida do outro. Isso sim é ultrapassar a barreira da intimidade.

2 comentários:

Raphael disse...

é verdade... não tinha parado para pensar nisso!
daqui a pouco tudo muda de novo.
mt bom o texto D. Maria!!
Bjossssss
Raphael Leta

marcus disse...

é verdade prima...

usava muito telefone de casa... hj em dia nem pego nele... só quando não tem ninguém em casa para atender.

A uns 5 anos ou 4 não só uso meu celular, para tudo. É mais prático.

Showde